Nos dias atuais em que os partidos políticos e o Congresso Nacional são enfraquecidos, convém lembrar a atualidade das reflexões de 1979 do professor Carlos Nelson Coutinho:
“[…] as forças populares devem estar permanentemente em alertas contra as tentações do ‘golpismo’, o qual – mesmo quando se apresenta sob vestes falsamente progressistas - não faz senão repetir, com sinal trocado, os procedimentos elitistas que caracterizam a ‘via prussiana’ […].”
“[…] O ‘golpismo de esquerda’ – que infelizmente marcou boa parte do pensamento e da ação política das correntes populares no Brasil – é apenas uma resposta equivocada e igualmanete ‘prussiana’ aos processos de direção ‘pelo alto’ de que sempre se valeram as forças conservadoras e reacionárias em nosso país […].”
“[…] a desvalorização do Parlamento se articulava com a defesa aberta ou velada de posições ‘golpistas’: as forças progressistas deveriam se apossar do Executivo e encaminhar de cima para baixo, sem considerações pelo Parlamento e pela sociedade civil, as reformas necessárias ao progresso social.”
“Essa superistimação do Executivo […] não levava apenas a tentações ‘golpistas’. Levava também a que boa parte do trabalho de mobilização política das forças democráticas e populares se concentrasse na conquista do Executivo (ou na pressão sobre ele), com a consequente subestimação da importância central da organização autônoma das massas populares. E essa organização é o único instrumento para mudar a composição e o caráter do Parlamento, seja para controlar ou mesmo determinar a ação do próprio Executivo. Por outro lado, como as forças populares foram obrigadas a constatar nos últimos anos, o fortalecimento do Executivo em detrimento do Parlamento não foi garantia do progresso social, mas antes serviu para reforçar o domínio dos monopólios e das multinacionais. Assim, antes de mais nada, foi a própria vida que colocou a tarefa de fortalecer o Congresso Nacional como um dos meios fundamentais para a construção em nosso País de um regime de democracia política. A própria ideia de uma Assembleia Constituinte, como coroamento do processo de transição para esse regime, não é apenas o sepultamento de qualquer ilusão ‘golpista’, de qualquer solução imposta de cima para baixo, mas é também o reconhecimento do papel essencial do Parlamento na nova ordem política e social que os socialistas desejam para o Brasil”.
“Essa reavaliação do papel do Parlamento […] resulta também da concepção da democracia como elemento estratégico na luta pela renovação social do conjunto da Nação”.
“[…] a tarefa de renovação democrática, implicando a crescente socialização da política, a incorporação permanente de novos sujeitos individuais e coletivos ao processo de transformação social, não poderá ser obra de um único partido, de uma única corrente ideológica e nem mesmo de uma só classe social. É tarefa que deve envolver a participação de múltiplos sujeitos sociais, políticos e culturais. Como a autonomia e a diversidade desses sujeitos deverão ser respeitadas, a batalha pela unidade – uma unidade na diversidade – torna-se não apenas um objetivo tático imediato na luta pelo fim do atual regime [ a ditadura de 1964], mas também um objetivo estratégico no longo caminho para ‘elevar a nível superior’ a democracia”.
Cláudio Oliveira é jornalista e chargista.
In COUTINHO, Carlos Nelson. A Democracia como valor universal e outros ensaios. 2. Ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 1984. 204 pp. 43-8.
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