Anderson Passos, Henrique Veltman
SÃO PAULO - As eleições municipais serão pautadas, em parte, pelo julgamento do Mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para agosto. Esta é a opinião do deputado federal Roberto Freire (PPS-SP). Para Freire, o destino dos réus tem uma importância mais abrangente e diz respeito à própria República.
Ainda de acordo com o deputado federal, um dos itens mais importantes que devem pautar o pleito é o forte recrudescimento da economia, que terá como consequência mais grave o aumento do desemprego no País e a diminuição de repasses pela União a estados e municípios, o que pode dar força à oposição.
Na entrevista concedida ao DCI, Freire dispara contra o modus operandi do Congresso Nacional, que, segundo ele, chancela projetos do Executivo em geral cheios de penduricalhos.
DCI: Comecemos pela eleição paulistana. O PPS tem uma candidata colocada aqui, na capital. O senhor esteve recentemente com a Soninha Francine no lançamento da candidatura a vereador do Ricardo Yung (PPS)?
Roberto Freire: A Marina [Silva] esteve lá também.
DCI: A Marina não está ficando em cima do muro?
RF: Olha, não vou criticar a Marina, mas acho estranho uma liderança política não querer assumir [uma posição]. Não acho que, inclusive, seja bom para ela. Imaginar que ganha com isso? Eu acho que perde, mas é uma avaliação. Acho que você pode até ter uma indicação equivocada. O que não pode é se omitir.
DCI: A candidatura da Soninha é a que mais se aproxima do eleitor da Marina Silva em São Paulo?
RF: São coisas distintas. Até talvez alguma coisa ambientalista você pode encontrar em comum. Mas, se tivesse de dizer, o que mais se aproxima seria a Soninha.
DCI: A candidatura do PPS na capital paulista tem força para romper com a polarização PT-PSDB em São Paulo?
RF: A primeira coisa que a gente tem que dizer é que não há essa polarização PT-PSDB. Você está falando dessa polarização em função de um histórico. Não é a realidade atual. Pode até vir a ficar em conformidade com esse histórico, mas o candidato do PT [Fernando Haddad] tem demonstrado muita fragilidade. Não sei por que razão. Não sei se pelo "dedaço" de Lula. Fato é que ele não consegue, e não conseguiu, e não adianta dizer que faltou exposição, até porque já teve e não foi pouca, e não teve crescimento. Pode ser que na campanha isso se concretize, mas hoje não há essa polarização. Essa segunda vaga está em aberto e há até uma certa surpresa em relação àquele que está em segundo [Celso Russomanno], que sempre começa bem, até chamam de "cavalo paraguaio", mas agora ele larga de um patamar que ele nunca tinha conseguido. Então não adianta também ir só pelo histórico porque a realidade de hoje é um pouco diferente.
DCI: Ainda que o ex-governador José Serra tenha todo esse nome, tenha sido candidato à Presidência em duas oportunidades, não dá para imaginá-lo eleito no primeiro turno?
RF: Não sei. Não quero arriscar nenhum palpite, até porque nós vamos ter algumas mudanças de cenário. Não dos candidatos, mas do País, que podem modificar muito a composição das forças políticas. Por exemplo: a crise [econômica] se acelera muito mais rápido do que se imaginava. As avaliações governamentais diziam que 2012 seria ainda um ano de certo equilíbrio e isso não está se concretizando, ao contrário. E o efeito mais grave de todos é que já está começando a atingir o mundo do trabalho. Você já está aí com o desemprego começando a surgir na esquina. Em São Paulo, a indústria já deu sinais de processo de demissão. Mesmo em uma eleição municipal você vai ter repercussão, até por uma opção equivocada do governo, um impacto muito forte nas prefeituras. Estão todas elas com grande dificuldade porque começou a ter uma diminuição de arrecadação e essa diminuição é em cima da transferência constitucional para estados e municípios. Ou seja, os municípios vão começar a ter dificuldades e isso fortalece a oposição.
DCI: Ainda que a eleição municipal seja um espaço de debate dos problemas da cidade, já se veem projeções visando a 2014. O senhor tem essa impressão?
RF: Pode ser que alguma força política fique imaginando [isso], mas no eleitorado tem muita compreensão do que estão votando. Nós é que imaginamos que, nas nossas elucubrações, elas sejam maiores do que na realidade são. O eleitor quer saber o que o cara vai fazer para resolver os problemas dele. E eles [eleitores] sabem. E tanto eles sabem que o ex-presidente Lula, com toda a sua popularidade, não vai ter influência, como não teve, nas eleições em São Paulo. Ele nunca ganhou uma eleição aqui em São Paulo. Não é Lula apontar e ganhar não, é um problema específico. A pessoa sabe, o eleitor sabe o que está votando ali: a sua cidade.
DCI: Qual seria a proposta da Soninha para o transporte?
RF: Nessa área ela tem propostas até demais. Por exemplo, ela é contra transporte individual salvo a bicicleta, por exemplo. Ela é contra esse estrangulamento de alguém imaginar que São Paulo vai continuar crescendo com automóvel na rua. Vai parar. Com alternativa, que eu acho que São Paulo tem e nisso terá continuidade, São Paulo é o único estado brasileiro que tem na sua maior cidade um projeto em andamento de transporte coletivo. Nos outros lugares você tem um VTL [sigla de Veículo Leve sobre Trilhos] ali, outro aqui. Não tem nenhum grande investimento, não tem nada. Eu acho que Soninha tem essa visão social, que é mais ampla do que transporte. Ela fala da ocupação de moradias no centro da cidade, de empregos vinculados aos bairros. Eu acho que ela é uma excelente candidata.
DCI: E como o PPS vai trabalhar a representação na Câmara de Vereadores? A maioria é vital para a governabilidade?
RF: Tem que construir maioria, mas não pode ser a qualquer custo. Até porque existe essa tese evidentemente equivocada de governabilidade. Você vai para a chamada governabilidade e joga fora todo e qualquer princípio público. Uma coisa que os governos precisam entender: não tem nada de antidemocrático o Congresso rejeitar um projeto do governo. O Executivo é muito legítimo. E o Congresso é o que? Então o prefeito tem toda a legitimidade que a Câmara de Vereadores não tem? Foram eleitos do mesmo jeito, no mesmo pleito democrático. A legitimidade de um é a mesma do outro. Não pode ter a maioria por qualquer critério, toma lá dá cá, aí não pode porque depois você só vai degradar as instituições. E eu posso dizer isso porque eu fui líder de um governo que não tinha maioria e fui líder porque era uma bancada de três deputados só. Fui líder do governo de Itamar [Franco, 1992-1994]. Claro que tinha um certo entendimento de que era um governo atípico, que tinha chegado do impeachment, mas não éramos maioria e conseguimos aprovar. Lá estavam na oposição PFL, PDT, PT e nós conseguimos aprovar. Era um processo. Ninguém lá inventou "governabilidade" a qualquer custo.
DCI: Governo de coalizão é uma alternativa? É a melhor que se tem?
RF: Claro, porque é transparente. O problema de governabilidade é que você não sabe o que está por trás. "Eu preciso de governabilidade". Aí faz os acordos que faz. É essa visão que deu esse abraço de afogado entre Haddad, Lula e Maluf, o impacto daquilo. E qual era a surpresa? Maluf estava com Lula há muito tempo no governo. Mas por que o impacto daquilo? Porque é a perda completa de qualquer limite. E olhe que Lula disse mais de Maluf do que Maluf de Lula.
DCI: O senhor é pernambucano e o governador do estado, Eduardo Campos [presidente nacional do PSB], vem aparecendo no cenário como uma figura nova. Como avalia essa projeção?
RF: É nova geração. Ele é o representante de político nessa geração que está surgindo na política. Seja Aécio Neves [senador do PSDB e potencial candidato ao Planalto em 2014] ou o que ele representa. Não está restrito a esses dois, mas também a outros políticos que tem por aí. Estou querendo simbolizar uma nova geração. Ele [Eduardo Campos], nesse episódio da eleição municipal, buscou se credenciar. O partido tinha tido um bom crescimento no nordeste e, com essa eleição municipal, ele mostrou ao PT que não foi crescimento porque [o PSB] era sublegenda. O crescimento do PSB foi muito em função do fenômeno Lula, do governo de Lula e, no nordeste, um instrumento disso foi o PSB que cresceu no Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará. E ele [Campos] disse que nessa eleição era independente, que o PSB não era sublegenda do PT. Isso já teve reflexos em Belo Horizonte e isso aí vai dar [ao PSB] a decisão de saber se ele virou independente mesmo, se passou a ser uma força política porque, se ele ganha bem no Recife, ganha bem em Belo Horizonte, no ponto de fricção que ele teve com o PT, ele sai vitorioso, ele se afirma. O PSB soube se articular e dar a ele [Eduardo Campos] essa ideia de que ele passa a ser uma figura de expressão, de liderança nacional.
DCI: E como o PPS vê esse crescimento socialista?
RF: O PPS vê isso com muita satisfação porque uma das coisas que o PPS vê com muita clareza é a de que a gente precisa buscar alternância de poder. O PT, e não é porque está há 12 anos e pode ir para 16, não tem problema, até porque eu sou parlamentarista e você pode ter um governo parlamentarista de muitos anos. O problema é que os oito anos do PT e essa continuidade agora - seria ótimo que não fosse continuidade - foram muito ruins para a República brasileira. Aparelharam o Estado, desestruturaram o Estado e, pior de tudo, desmoralizaram a instituições. Nós estamos vivendo uma crise muito séria de valores. E o predomínio desse PT não é bom para a República brasileira. Não tem nenhum projeto salvo aquele de usufruir do poder. E algumas vezes usufruir com total ausência de espírito republicano. Então é necessário que se articulem alternativas. Não é qualquer alternativa, mas eu poderia dizer a você que uma liderança como o Eduardo Campos, do PSB, é uma liderança que pode ser uma alternativa. O Eduardo, como líder de uma força política que está na base [do governo Dilma Rousseff] se descolando, é um bom sinal para aquilo que o PPS imagina em 2014. Qual o protagonismo dele nisso? Aí seria nos antecipar muito, mas pelo menos saber que é algo que não está parado. Dentro do governo já começa a haver as suas inflexões, pode haver dissidências futuras.
DCI: Como é que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o PSD fundado por ele surgem no contexto político nacional? Ele pode ser protagonista em 2014?
RF: Infelizmente o PSD mal começou e já demonstrou todos os piores vícios da política brasileira. Esse episódio de Minas já demonstrou uma grave dissidência porque é uma legenda que não sabe bem que partido tomar. Ficou com dificuldade e isso, evidente, diminui muito a sua capacidade de ser protagonista numa eleição nacional. Com isso você pode ser coadjuvante. Como coadjuvante você pode ter um número razoável de parlamentares. Mas é um coadjuvante. A gente está aqui falando de protagonismo.
DCI: O senhor vem falando de desordem jurídica do Legislativo, que está amarrado pelo Executivo.
RF: Porque o Legislativo já há algum tempo -e isso aí eu tenho dito- o Legislativo é bem apropriado dizer da sua completa subalternidade. Vou fazer uma digressão: quando se fala em ordenamento jurídico e porque você tem uma ordem, as leis têm uma hierarquia, devem seguir determinada técnica, a sua aprovação exige determinadas maiorias qualificadas, toda uma chamada ordem num sistema jurídico. O Congresso está promovendo a desordem jurídica porque há uma Lei Complementar 95 que diz exatamente sobre a hierarquia das leis, a técnica legislativa, como você elabora os projetos e a aprovação das leis. Então é uma lei adjetiva, mas uma lei fundamental para o ordenamento jurídico. O que é que o Congresso está fazendo lá e o governo federal é patrocinador disso e a Câmara e o Senado aceitam passivamente? O governo federal envia uma medida provisória e você transforma essa proposta num Projeto de Lei de Conversão e ali cabe tudo. Vira uma "loja de miudezas", como chamei recentemente. O governo manda uma MP que trata desde questões de oncologia a benefícios para indústria automobilística, questões da previdência social. Lá cabe tudo. Não é novo isso. Há algum tempo nós estamos legislando dessa forma. Aí eu estou dizendo: não há ordem jurídica, é a desordem. Por exemplo: teve um que nós brigamos muito que é uma imoralidade: é o projeto de uma medida provisória que fixava a remuneração dos médicos residentes, que tinha cinco artigos. Virou um Projeto de Conversão, com cinquenta e poucos artigos e que o restante todinho era o Regime Diferenciado de Licitação (RDL) para as obras da Copa do Mundo. O governo acha ótimo que tenha um Congresso que chancele o que ele quer. E é isso que está acontecendo.
DCI: O Judiciário vai atravessar uma prova de fogo com o julgamento do Mensalão no próximo mês. Qual a sua expectativa? Acredita em julgamento político, como algumas vozes do PT têm defendido? Esse julgamento afeta a eleição municipal?
RF: Afeta a República. Não é uma coisa de PT perde aqui, ali, ou mensaleiro que é derrotado.Essa discussão é menor. O que está sendo julgado é o maior escândalo de corrupção da história da República brasileira. E está na mão da mais alta Corte do País. Então é um julgamento que vai marcar a história brasileira. Alguém pode achar que isso não vai ser importante por conta da eleição municipal. Isso é marcante para a história da República. Qual é o outro julgamento que a Corte suprema do País teve, na dimensão do ponto de vista da corrupção, igual a esse? Temos que parar com isso. Vai ter impacto na história da República. Dependendo do resultado pode ajudar no geral. Eu tenho projeto, o Simon [senador do PMDB-RS] também, no qual todo processo criminal que envolver quem exerce mandato eletivo tem que ter prioridade na sua tramitação. Por quê? Porque aquilo é exemplar.
FONTE: JORNAL DCI
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