Do pacote apresentado por Dilma, faltou a redistribuição de recursos e tarefas entre os entes federados. Mais uma vez, a urgente reforma do Estado ficará para depois, enquanto o Congresso se ocupará do plebiscito para a encantada reforma política
Mal a presidente Dilma Rousseff terminou o pronunciamento na reunião de governadores e prefeitos, algumas excelências tarimbadas da política nacional tinham um diagnóstico claro da situação: ela saiu da letargia colocando um bode na sala do Congresso Nacional e outro no colo dos governadores, mas esqueceu o principal. A construção de uma agenda conjunta, dentro de um novo pacto federativo.
Para muitos, Dilma não mudou o estilo dos pacotes prontos a serem deglutidos pela base aliada. Abriu a reunião ditando uma pauta. Não ficou claro sequer se os R$ 50 bilhões da mobilidade são novos recursos ou estão dentro dos R$ 89 bilhões que compõem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desse setor.
Parte dos temas está no colo do Legislativo: cabe aos congressistas, por exemplo, convocar o plebiscito da reforma política, no qual será debatida a proposta apresentada ontem pela OAB e pela CNBB, e também destinar os royalties do petróleo para a educação — isso se a proposta sair do Supremo Tribunal Federal, onde está em fase de debates.
Politicamente, marcou um ponto pelo gesto de reunir tantos personagens de uma única vez para pensar na resposta às manifestações. Mas, entre aqueles que torcem pela presidente — leia-se e registre-se de que não me refiro aqui a vozes da oposição —, ficou aquele gostinho de que poderia ter sido melhor.
A sensação de muitos é a de que a convocação de um plebiscito para a realização de uma constituinte exclusiva para a reforma política vem como uma luva no sentido de ocupar o parlamento. Mas, ainda nesse quesito, ficou aquela sensação de ausência da reforma tributária, para uma população que trabalha quase metade do ano para pagar impostos, a maioria incidente sobre o consumo.
Por falar em tributos...
A sensação de muitos é a de que a reforma política foi colocada na sala para que, com o Congresso ocupado nesse debate, Dilma tenha alguma relativa tranquilidade para encontrar uma saída para a perspectiva de crise econômica, que, ao lado da carência de serviços públicos de qualidade, tem alimentado as passeatas (a criação de empregos, embora continue crescendo, perdeu força em relação ao ano passado; a inflação, ainda que se mostre em curva descendente no longo prazo, é sentida em alguns setores).
Nesse campo, os ministros de Dilma têm dito que é questão de tempo para que as medidas adotadas ao longo dos últimos meses deem algum resultado. E, certamente, avaliam muitos dos presentes à reunião de ontem, é desse sentimento de economia em alta que Dilma precisa para garantir novo fôlego e gerar um clima capaz de fazer refluir as manifestações.
Enquanto isso, no PMDB...
Hoje, tem reunião da Comissão Executiva Nacional do partido. A pauta da convocação passou de palanques estaduais para a conjuntura, em função das manifestações. Afinal, os peemedebistas têm claro que quem mais perde com os movimentos de rua é quem está no poder. Portanto, se a confusão continuar, a aliança com o PT é bem capaz de balançar. O mesmo PMDB que, no passado, pulou do barco dos tucanos para o dos petistas, é bem capaz de fazer o caminho inverso. O momento é de todos com as barbas de molho.
E o Sarney, hein?
Ontem, o editor de Política do Correio, Leonardo Cavalcanti, lembrou, na reunião de pauta, uma entrevista feita em 2011 — por ele, Ana Dubeux e eu — com o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Abrimos a entrevista com uma frase de Sarney: “A democracia representativa está em xeque. Os partidos estão enfraquecidos e não representam mais o povo. Os partidos eram fortes quando eram ideológicos, mas eles passaram a ser pragmáticos”. Sarney mencionou que a internet estava mudando o exercício da cidadania e da política e vislumbrou ainda uma época em que o cidadão, de seu computador, faria as escolhas que hoje deixa a cargo do parlamento. Esse tempo, dizia, ainda demoraria. Talvez esteja mais perto do que ele pensa, basta ver o movimento pela Lei da Ficha Limpa, as manifestações e o deflagrado ontem pela reforma política, dentro da OAB e da CNBB.
Fonte: Correio Braziliense
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