Se o sistema político está falido, o Congresso se recusa a reformá-lo e o povo nas ruas não pode legislar, a Constituinte exclusiva é o caminho mais curto e legítimo
No fim de semana, alguns interlocutores fizeram chegar à presidente Dilma Rousseff a proposta de uma Constituinte exclusiva para reformar o sistema político que as ruas estão declarando falido. Esta coluna, no domingo, registrou intenções nesse sentido, ao detalhar a proposta do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que tramita há mais de 10 anos. O prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), foi um dos que levaram, em carta, a idéia à presidente. Mas ontem, logo depois de apresentada por Dilma, o meio político reagiu negativamente e a oposição a rechaçou. O novo ministro do Supremo, José Roberto Barroso, avisou que tal processo é inviável. Uma Constituinte não pode mudar apenas um capítulo ou tema na Constituição. Se não pode, deve-se aproveitar o espírito da proposta na busca de caminhos que podem ser trilhados com o mesmo objetivo.
Os manifestantes estão ainda nas ruas declarando-se não representados pelos partidos e pelos políticos. O antipartidarismo demonstrado pelos mais radicais carrega uma semente perigosa, a negação da democracia representativa. Uma negação que nunca deu bons resultados, ao longo da história. Sabemos todos que há um divórcio entre representantes e representados e, agora, ficou evidente que ele precisa ser superado. O povo pede mais controle sobre seus representantes e isso significa mudar um conjunto de regras sobre votar e ser votado. Alterar a Constituição, como corretamente afirmou o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, é uma prerrogativa do Congresso.
O problema é que os congressistas não aprovarão mudanças que contrariem seus próprios interesses. Há quantos anos assistimos aos ensaios frustrados sobre reformas no sistema político-eleitoral? Pela mesma razão – a de fixar regras com as quais sabem lidar, eleger-se e sobreviver na política – os constituintes de 1987/88 passaram toda a nossa ordem jurídica a limpo, mas quase nada mudaram no sistema político-eleitoral. Dele removeram, basicamente, o entulho autoritário da ditadura. E, mesmo assim, em alguns casos, foram do 8 ao 80. Por exemplo: substituíram as restrições à criação de partidos à absoluta liberalidade atual, o que nos levou ao sistema fragmentado de hoje, com mais de 30 partidos, alguns sem qualquer representatividade.
Ora, se o sistema político está falido, o Congresso se recusa a reformá-lo e o povo nas ruas não pode legislar, a Constituinte exclusiva é o caminho mais curto e legítimo. O povo, por meio de plebiscito (que só o Congresso pode convocar) autorizaria a eleição de uma assembléia constituinte com essa tarefa específica, assegurando o poder originário da futura assembleia. Agora, se juridicamente isso não é possível, como disse Barroso, que toma posse amanhã no STF, caminhos alternativos podem ser trilhados, buscando o mesmo objetivo. Já houve reação: "Por ora é a manifestação legítima de um cidadão. Depois, se o assunto chegar ao Supremo, ele se pronunciará como ministro, pelo voto", disse Miro, autor da mais antiga proposta sobre o tema.
Se o espírito da proposta é assegurar que o povo tenha a palavra final sobre o tipo de sistema político-eleitoral que deseja, há também outras fórmulas. Uma emenda do ex-deputado Luiz Carlos Santos, também antiga, sugere que o Congresso, num determinado prazo, vote uma reforma e submeta as mudanças a um referendo popular, sobre cada mudança aprovada.
Importante, na proposta, é a ousadia de romper a inércia que cerca o assunto. Se não for a Constituinte exclusiva, alguma fórmula nova surgirá.
FHC em novo livro
É tempo de pensar o Brasil. Até aqui, muito do que nos tornamos decorreu da reflexão e das soluções propostas, no passado, pelos que se dedicaram a desvendar nossa complexidade. Hoje, às 18h, em São Paulo, no Masp/Avenida Paulista (se não houver protestos, como diz ele), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lança seu livro Pensadores que inventaram o Brasil (Companhia das Letras, 308 páginas), em que revisita, se não todos, alguns dos mais importantes intelectuais que se dedicaram a compreender o Brasil. Ele respondeu questões apresentadas pela coluna, por e-mail, sobre a nova obra.
Descartou a suposição de que se trata de um mergulho na evolução do pensamento político.
"O livro não tem a pretensão de ser uma história do pensamento político brasileiro. Antes, é uma referência aos autores que mais me influenciaram, com alguns dos quais convivi. Há, portanto, referências arbitrárias, deixando de lado, por exemplo, Viana Moog ou Azevedo Amara, para não falar de Oliveira Vianna." Esclarece como selecionou os pensadores: "Refiro-me a autores que ajudaram a compreender a formação sociopolítica do Brasil, que hoje chamaríamos de intelectuais com visão global, mais do que cientistas sociais especializados. Não há um corte temporal, embora me concentre mais nos autores do século 20. Suas respostas, no transcurso de seus 82 anos, terminam com uma confissão: " Tive grande prazer em rever e corrigir os textos, talvez porque, a esta altura da vida, olhar para trás já seja um hábito, e olhar para o futuro, uma obsessão de quem teme perdê-lo".
Fonte: Estado de Minas
Nenhum comentário:
Postar um comentário