O anúncio, na semana passada, de metas de um superávit primário de 1,9% do PIB, bem como de controle dos gastos públicos federais, foi recebido pelo mercado e por analistas com muito ceticismo mas também, positivamente, como sinal de reconhecimento pela presidente Dilma da necessidade de melhora do deteriorado relacionamento que tem mantido com a iniciativa privada. Melhora que envolveria mudança de prioridades da política econômica e menos dirigismo governamental. O contraste das reações suscitadas por tal anúncio foi bem resumido pelo economista Paulo Guedes em artigo no Globo de segunda-feira: “Em um ano eleitoral, a disposição de cortar gastos anunciada pelo governo merece nosso apoio quanto maior nosso ceticismo”.
Seguem-se três dos motivos da falta de confiança nos resultados das referidas metas: primeiro – o corte de gastos prevê economia de R$ 13,5 bilhões nas “despesas obrigatórias” com a Previdência (garantidas constitucionalmente); segundo – a indefinição quanto ao pagamento da energia produzida por termoelétricas, com elevação de custo prevista para o dobro dos R$ 9,8 bilhões gastos em 2013 pelo Tesouro (ou seja, por toda a sociedade), cujo repasse aos consumidores terá efeitos diretos na inflação que a presidente/candidata tentará evitar a todo custo; terceiro – nenhum compromisso com limites na emissão de títulos públicos destinados aos bancos federais, em especial ao BNDES. Outra reação negativa ao otimismo vendido pelo anúncio foi a indicada no Boletim Focus, do Banco Central, de anteontem, como mais recente projeção do desempenho da economia este ano. Segundo ele, o PIB deverá ser inferior a 1,7% (produzido de 1,91%, em janeiro, para 1,67%), e a inflação poderá aproximar-se mais dos 6%, mesmo que seja mantido o represamento da maior parte dos “preços administrados”.
Quanto à pesquisa eleitoral do Datafolha tornada pública no domingo, a manutenção do favoritismo de Dilma, inclusive para uma vitória no 1º turno, teve como principal efeito a contenção de pressões para a troca de sua candidatura pela do presidente Lula. Que voltaram a crescer neste início de ano em segmentos empresariais (descrentes de uma reanimação da economia e críticos do excessivo intervencionismo governamental nas atividades da iniciativa privada); no PMDB e outros partidos da “base aliada” (em choque com a for-te centralização de decisões políticas e administrativas no entorno da presidente e em favor de candidatos petistas; e no próprio PT, receoso do insucesso da campanha reeleitoral. A pesquisa refreou tais pressões, ao menos temporariamente.
O Itamaraty e a Venezuela - A revolta social na Venezuela – desencadeada pelos estudantes, com respaldo do conjunto da classe média e com a adesão de grande parte da população de baixa renda em face da escassez dos produtos agrícolas e industriais e dos enormes índices de criminalidade – essa revolta, que está sendo enfrentada por forte repressão do aparelho policial e de milícias treinadas por militares cubanos, e já provocou muitas mortes, põe em xeque não apenas o governo de Nicolás Maduro mas as próprias bases do chavismo. No plano interno e nas relações econômicas (de financiamento com as receitas do petróleo) e políticas com vários países da América Latina. A dimensão alcançada pela revolta vai convertendo-a (apesar das abusivas limitações e restrições às atividades da mídia local) num tema importante da imprensa internacional. Que coloca os aliados externos do chavismo em condições difíceis de justificativa das violentas ações repressivas e do grosseiro desrespeito aos direitos humanos. Este é o caso da presidente Dilma.
A tentativa, inicial, de distanciamento do problema em nome da “não interferência” em questões internas de outros países, além de esquecer a ostensiva intervenção do gênero praticada poucos anos atrás em Honduras, é claramente in-suficiente para evitar um desgaste, duplo, da chefe de governo e da candidata à reeleição. Configurando uma omissão ou cumplicidade diante das violências que estão sendo cometidas na Venezuela. Omissão que poderia ser corrigida por uma iniciativa do Itamaraty em favor de uma negociação entre o governo de Maduro e as forças de oposição. Entendimento que pusesse fim às violências e ao risco de uma guerra civil. E que abrisse caminho a uma transição do autoritarismo (que inclui o controle pelo Executivo do Judiciário e do Congresso e o sufocamento da liberdade de imprensa) por um regime efetivamente democrático, e para alternativa a um colapso da economia, decorrente de suas matrizes populista e estatizante.
Iniciativa, porém, inviável por causa das estreitas relações existentes entre o chavismo e o petismo.
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