Universitários perceberam que o direito à liberdade de expressão
Francisco Toro
Do New York Times
CARACAS - Os protestos abalaram a Venezuela nas últimas semanas, mas ninguém parece concordar sobre o motivo do grande número de pessoas, de repente, tomarem as ruas. Alguns observadores veem as manifestações como um veredito sobre a escassez de alimentos e medicamentos, a inflação e a estagnação econômica. Outros as veem como a birra de uma ex-elite retrógrada determinada a anular os resultados da última eleição. O governo, por sua vez, está aderindo ao velho script: A Venezuela é vítima de uma conspiração fascista feita por autoridades norte-americanas que estão apavoradas com as aspirações revolucionárias do país.
No entanto, nenhuma dessas explicações concorrentes capta o que há de especial sobre essa última manifestação de raiva. Os protestos da Venezuela são, de certa forma, autorreferenciais: diante de um governo que sistematicamente equipara os protestos à traição, as pessoas têm protestado em defesa do próprio direito de protestar.
A crise começou em 4 de fevereiro, quando um grupo de ativistas estudantis na cidade andina de San Cristóbal foi às ruas para protestar contra a onda de crimes que assola o seu campus. O fracasso do Departamento de Polícia em responder à agressão sexual de um estudante do primeiro ano fez com que os alunos saíssem em massa para exigir que o Estado os proteja.
A resposta do governo foi uma repressão policial brutal, e não contra o suspeito do estupro, mas sim contra os manifestantes estudantis. As forças de segurança pulverizaram os manifestantes com gás lacrimogêneo; dois estudantes foram presos. No dia seguinte, uma manifestação maior chegou às ruas de San Cristóbal para protestar contra a violência do dia anterior, e os ativistas estudantis em uma segunda cidade, Maracaibo, se juntaram a eles em solidariedade, apenas para ser duramente espancados e atacados com gás lacrimogênio pela Guarda Nacional em reação. Cinquenta alunos foram feridos no segundo dia.
Na medida em que o ciclo de protestos, repressão e protestos contra a repressão se espalha, o foco do protesto começou a se transformar. O que estava em jogo, os alunos perceberam, era o direito à liberdade de reunião.
A repressão, na Venezuela, vem não só na forma de gás lacrimogêneo e balas de borracha. O governo também mobilizou a sua extensa máquina de propaganda – jornais e emissoras de rádio, seis emissoras de TV, centenas de sites – em uma campanha orquestrada de difamação para demonizar os líderes dos protestos como sendo uma quadrilha fascista sombria em conluio com os imperialistas norte-americanos.
A alegação é estranha, porém, a sua repetição incessante revela que, para o governo venezuelano, toda dissidência é traição. Tal regime tem pouca dificuldade em justificar o uso da violência contra os seus adversários.
É impressionante que o governo agora determinou "fascistas", como o epíteto favorito para atacar os dissidentes. Parece que o presidente Nicolás Maduro não consegue terminaruma frase sem denunciar um fascista. A ironia parece estar perdida em Maduro, que parece ter esquecido que um dos pilares do fascismo real é a recusa em reconhecer a legitimidade das opiniões divergentes.
É contra essa intolerância de pontos de vista opostos, e contra a repressão violenta que os estudantes venezuelanos agora estão mobilizados. Hoje, após 13 mortes, 18 supostos casos de tortura e mais de 500 prisões de alunos, o movimento dos protestos virou uma bola de neve em um paroxismo de raiva em todo o país, o que coloca em xeque a estabilidade do governo.
A falta de estrutura dos protestos lhes deu resiliência, mas também uma margem anárquica. Não há um líder único em posição de dar ao movimento uma direção estratégica. A sua tática predileta de protesto – a barricada improvisada para isolar certos bairros do mundo exterior – parece contraproducente, na melhor das hipóteses, já que algumas dessas barricadas conduziram à violência.
A resposta do governo, no entanto, tem sido totalmente desproporcional – que vão desde uma fonte quase inesgotável de gás lacrimogêneo e balas de borracha até o uso de veículos blindados de transporte de pessoal, tanques e tropas de choque paramilitares em motocicletas. Até a Força Aérea venezuelana usou os seus caças Sukhoi de fabricação russa para sobrevoar San Cristóbal a fim de assustar crianças jogando pedras.
O desafio agora é moldar a grande indignação das últimas semanas em um organização política organizada, coerente e ágil capaz de defender os direitos básicos de todos os venezuelanos. Henrique Capriles, o líder da oposição moderada da Venezuela, fez o seu discurso. Em um discurso em um grande comício em Caracas no sábado passado, Capriles, ladeado por líderes estudantis, fez um apelo apaixonado pelo fim dos protestos noturnos, dos bloqueios das estradas e de outras táticas suscetíveis à violência dos tribunais.
Contudo, poucos fora do comício o ouviram porque a pressão do governo assegurou que nenhum meio de difusão fizesse a cobertura do evento.
Hugo Chávez nunca foi tímido em incitar a oposição a lutar. Ele entendia que o confronto era a melhor maneira de reunir os seus partidários fundamentais enquanto consolidava o controle autocrático da sociedade. Maduro, o seu sucessor escolhido, certamente absorveu essa lição.
Entretanto, Chávez também sabiam quais eram os limites de tais táticas e nunca se envolveu na repressão em tal escala. É esse entendimento político das armadilhas de ir longe demais, rápido demais, que parece faltar em Maduro. O que está claro, todavia, é que os estudantes da Venezuela não aguardarão passivamente enquanto os direitos humanos básicos são desrespeitados. Tal qual ecoa seu canto:
"De jeito nenhum! De jeito nenhum!
Eu não vou aceitar
A ditadura ao estilo cubano
Que você está esfregando na minha cara".
Francisco Toro é o fundador do site político Crônicas de Caracas.
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