quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Fux condena e outros 4 ministros absolvem mensaleiros por formação de quadrilha

Plenário começou a julgar nesta quarta-feira embargos infringentes apresentados por oito réus do processo

Joaquim Barbosa qualificou o voto de Roberto Barroso como 'político'

BRASÍLIA - O relator dos embargos infringentes do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, manteve em seu voto, nesta quarta-feira, a proposta de condenação de oito réus pelo crime de formação de quadrilha. São eles: Delúbio Soares, José Genoino, José Dirceu, José Roberto Salgado, Kátia Rabello, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.

O segundo a votar foi o ministro Luís Roberto Barroso, que divergiu da posição de Fux e absolveu todos os réus do crime. Antes, porém, Barroso foi interrompido diversas vezes pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, que chegou a dizer que seu voto não era técnico, e sim político. Após discussão entre os ministros e o anúncio de Barbosa de que iria encerrar a sessão - que será retomada nesta quinta-feira às 10h -, alguns ministros adiantaram seus votos a favor dos réus: Cármen Lúcia, José Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. O placar está 4 a 1 a favor dos condenados.

Devem completar o time favorável aos réus Rosa Weber e Teori Zavascki. Além de Fux e Barbosa, provavelmente vão defender a manutenção das condenações os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.

O placar será em prol dos réus porque, desde 2012, quando eles foram condenados por quadrilha, a formação do STF mudou. Cezar Peluso e Ayres Britto se aposentaram, dando lugar a Barroso e Zavascki. Em 2012, Peluso não se manifestou sobre a quadrilha, porque se aposentou antes dessa parte do julgamento. Ayres Britto condenou os réus. Neste ano, os substitutos defenderão a absolvição deles.

Além de Dirceu, serão beneficiados com a decisão o ex-presidente do PT José Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; o operador do esquema, Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz; e os ex-executivos do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado.

No caso de Dirceu, se for absolvido da formação de quadrilha, ele poderá continuar a cumprir pena em regime semiaberto, e não passará para o regime fechado, como determinou o STF no ano passado. Ele foi condenado a dez anos e dez meses de prisão, o que o leva automaticamente para o regime fechado. Com a absolvição em quadrilha, a pena dele ficará em sete anos e 11 meses.

Depois de decidir sobre a formação de quadrilha, o plenário julgará os recursos contra as condenações por lavagem de dinheiro. Há recursos do ex-assessor parlamentar João Cláudio Genu; do doleiro Breno Fischberg; e do ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP). As únicas chances de absolvição total são de Genu e Fischberg. Isso porque eles foram condenados no processo por um único crime. Se saírem vencedores do julgamento dos infringentes, não terão pena alguma a ser cumprida.

Pela regra dos embargos infringentes, têm direito a um novo julgamento réus condenados que tiveram ao menos quatro votos pela absolvição. Dos 25 condenados, 12 têm direito ao recurso.

Lampião
Por mais de duas horas, Fux defendeu a manutenção das condenações por quadrilha. Argumentou que os réus se associaram de forma estável para o cometimento de crimes diversos, conforme define o Código Penal. Em seguida, Luís Roberto Barroso defendeu a absolvição dos réus pelo crime. Foi acompanhado de Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Diante do risco de vitória dos condenados, o presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, que quer manter as condenações, interrompeu a sessão.

Fux rebateu o argumento dos advogados de que não houve quadrilha, e sim concurso de agentes. Para a defesa, os agentes não se associaram para cometer crimes indefinidamente e não ofenderam a paz social. O ministro afirmou que, diante dos crimes do mensalão, os atos de Lampião “representam meras irregularidades”.

— O bando de Lampião trazia desassossego assim que chegava a cidades do interior, ofendendo a paz social. A associação (do mensalão) também trouxe profunda intranquilidade, não para pequenas sociedades, mas para a República, fazendo desmoronar no ideário de todos os cidadãos brasileiros a crença na democracia. Intranquilidade social maior dificilmente ocorrerá — argumentou.

O relator acrescentou que o crime de quadrilha é autônomo. Ou seja, basta um grupo de mais de três pessoas se associarem com a intenção de praticar crimes para que a quadrilha seja configurada, ainda que os crimes planejados não tenham sido praticados. Ele ressaltou que foram mais de dois anos de atuação da quadrilha. E que, se o esquema não tivesse sido descoberto, os agentes continuariam a delinquir.

— Não fosse o desbaratamento do esquema, o propinoduto ainda teria sido utilizado por período indeterminado, enquanto fosse útil a sua execução. Qual o período que se exige para que a quadrilha se configure? Décadas? Séculos? — questionou Fux.

O ministro concluiu que, se o tribunal ignorasse as provas do processo e decidisse que não houve quadrilha, apenas concurso de agentes, estaria aberta a impunidade para crimes do colarinho branco. Para ele, “a complexidade do esquema, que atendeu a todos e a cada um dos integrantes da quadrilha, retrata a existência de união estável de três ou mais pessoas para o cometimento de crimes”, como diz a lei.

Voto de Barroso
Barroso argumentou que, se o tribunal tivesse fixado penas justas ao crime de quadrilha, ele estaria prescrito – portanto, os réus não poderiam ser punidos. Segundo o ministro, os percentuais de aumento aplicados pelo STF à pena mínima em outros crimes foram muito menores do que os índices verificados na formação de quadrilha. Dirceu, que foi condenado por corrupção ativa e quadrilha, teve a pena mínima pelo primeiro crime aumentada em 21%. O aumento da pena de quadrilha foi de 75% a mais em relação à pena base, conforme contabilidade de Barroso.

— Os outros crimes não são menos graves do que o de quadrilha. Eles são mais graves e, inclusive, são apenados com reprimendas maiores (na lei). Se o tribunal aumentou entre 15% e 21% as penas dos outros crimes e os percentuais de quadrilha foram de 63% a 75%, considero isso uma contradição interna no acórdão. Não há sentido em se majorar mais a pena de quadrilha quando a corrupção ativa é mais grave — argumentou.

Em seguida, mesmo com toda a contabilidade sobre penas, Barroso decidiu absolver os réus do crime, “para simplificar”. E afirmou que, mesmo absolvendo por quadrilha, as penas dos condenados ainda ficariam altas.

— Essa convicção quanto à extinção da punibilidade em relação ao crime de quadrilha não minimiza o evidente juízo de reprovação que se deve fazer quanto aos episódios gravíssimos que restaram comprovados — afirmou. — São penas altas, que levaram em conta o desvalor da conduta e as circunstâncias dos crimes. Penas que, no geral, correspondem a uma ou mais condenações por homicídio. Mais que isso, superando uma tradição de impunidade, foram concretamente executadas.
No início do voto, Barroso voltou a criticar o sistema político brasileiro e reclamou que nada está sendo feito para mudá-lo.

— Por essa razão, continuaremos a viver um abominável espetáculo de hipocrisia, em que todos apontam o dedo para todos, enquanto muitos procuram manter ocultos os seus cadáveres no armário. Pior que tudo: temos um sistema político que não atrai vocações, que não mobiliza a juventude, compreensivelmente afastada pelo medo do contágio das práticas aqui denunciadas e condenadas. Vivemos a derrota do idealismo, diluído no argentarismo e na criminalidade política — declarou.

Fonte: O Globo

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