Arnesto morreu aos 99 jurando que nunca convidou Adoniran Barbosa para um samba. Mas, como ensinou John Ford, quando a lenda fica melhor que a realidade, publique-se a lenda. Ou, no caso, cante-se a lenda. A lenda diz que o Arnesto convidou para um samba na casa dele - no Brás - e quando os convidados chegaram ele não estava lá.
Não importa agora se é verdade ou não. O importante é que a canção virou um clássico da música popular brasileira e continuará sendo cantarolada até o fim dos tempos, o que devemos agradecer eternamente a Adoniran e ao Arnesto.
A política é um terreno fértil para o nascimento, florescimento e propagação das lendas, e geralmente o
exercício do poder faz com que seus manipuladores nao se importem muito em lançar mão delas para conseguir seus objetivos.
Governos populistas extraem grande parte de suas criações das lendas que eles mesmo criam.
Na semana passada, o ministro Gilberto Carvalho, a quem incumbe a missão de ser “interlocutor dos movimentos sociais”, seja o que isso for, conseguiu compor o seu samba do Arnesto.
Participantes do 6º Congresso dos Trabalhadores Rurais Sem Terra fizeram uma manifestação na Esplanada dos Ministérios onde entraram em choque com a Polícia Militar, tentaram invadir à força o prédio de um dos Três Poderes da República - o Judiciário - e deixaram 32 feridos entre os policiais e 2 entre seus próprios manifestantes.
Se fosse uma daquelas manifestações contra a Copa, eles poderiam ser enquadrados como terroristas, se já estivesse em vigor uma lei que se prepara para isso.
Mas como era fogo amigo, nao só foram recebidos com todas as gentilezas pela presidente Dilma, no dia seguinte, que em troca recebeu uma cesta de orgânicos, como foram financiados com dinheiro público: 200 mil reais da Caixa, 350 mil do BNDES (financiamento de produção?) e 448 mil do Incra.
No dia seguinte, Gilberto Carvalho cantou o seu samba do Arnesto e disse que o governo é “democrático”, sim, e financia “movimentos sociais” mesmo que se manifestem contra ele, o governo.
Como o MST considera o governo Dilma “bundão” (palavras de seu líder Stédile) e “o pior da história em termos de reforma agrária”, o mistério do dinheiro público doado a ele se desfaz em uma poça de cinismo.
Ou será que basta abrir um “movimento social” e protestar com violência diante das sedes do poder e depois entrar na fila onde o dr. Gilberto Carvalho distribui dinheiro público - como se fosse dele e não do contribuinte?
A mistificação, infelizmente sem o lirismo de Adoniran, chegou ao STF que compôs o seu samba do Arnesto e revogou como que por milagre a existência de uma quadrilha condenada por crimes de corrupção ativa, passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Como a quadrilha desapareceu, devemos presumir que tudo foi obra de um zeloso e bem sucedido empreendedorismo individual.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreio da Liberdade"(editora Barcarolla).
Fonte: Blog do Noblat
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