Para juristas, artigo do Código Penal que trata do crime é vago e será preciso provas mais
contundentes para condenar réus de forma unânime
Decisão, para jurista da FGV-SP, no entanto, não mancha ‘rigor técnico’ com o qual o julgamento do mensalão foi conduzido
Mariana Timóteo da Costa
Silvia Amorim
Bruno Goés
SÃO PAULO e RIO - O novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) para a configuração do crime de formação de quadrilha pode dificultar a punição de políticos por esse delito daqui para frente, avaliaram criminalistas, com base no resultado do julgamento dos recursos no processo do mensalão. Professor de Direito Penal da PUC-Rio e conselheiro da OAB-RJ, Breno Melaragno explicou que, de acordo com o entendimento da maioria dos ministros, somente fica configurado o crime de quadrilha quando houver uma “associação estável, permanente e duradoura que só exista para o fim de cometimento de crimes”.
— Fica muito difícil provar a existência disso em grupos que praticam crimes mais complexos e sofisticados. Nisso concordo com o ministro Joaquim Barbosa: somente será possível condenar por formação de quadrilha crimes violentos, como roubo e tráfico, e praticados por grupos de baixo poder aquisitivo.
Melaragno ponderou, entretanto, que não se trata de um entendimento imutável e que, com a troca de ministros em razão de aposentadorias, um novo posicionamento pode ser firmado pela Corte.
Para o jurista da FGV-SP e da PUC-SP Carlos Ari Sundfeld, a norma penal é “vaga, muito aberta e, por isso, dá margem à arbitrariedade”. Segundo ele, para a condenação de grupos mais sofisticados, é preciso investigações mais aprofundadas e provas mais contundentes.
— Do jeito que é, cada juiz pode interpretar de uma maneira diferente. O artigo diz somente que constitui formação de quadrilha um grupo de três ou mais pessoas se associarem para cometer crimes — avaliou o especialista, para quem, no entanto, a decisão dos ministros não significa uma mancha no julgamento do mensalão, uma vez que o julgamento foi conduzido com rigor técnico.
O jurista considerou “exageradas” as declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que, ao criticar a decisão de absolver os réus por formação de quadrilha, disse que o caso abria um precedente para que “apenas crimes de sangue” sejam julgados assim.
— Nada impede que, com investigações rigorosas, essas quadrilhas sejam desmanteladas. O que precisa no Brasil é se acabar com a precariedade em se investigar crimes, sejam eles de corrupção ou segurança.
Para Cláudio José Pereira, professor de Processo Penal da PUC-SP, não só as investigações, mas também a Justiça, precisam se aprimorar. Para ele, houve “falhas em esclarecer com provas o crime de formação de quadrilha”.
— (Isso) Reflete uma dificuldade para o Brasil entender, e consequentemente condenar, os criminosos de quadrilhas mais sofisticadas e autoras de crimes difíceis de comprovar, como os de colarinho branco — disse Pereira.
Para o advogado e professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino, a decisão tomada pelo STF não muda a realidade jurídica do país.
— Se esses oito réus tivessem sido condenados por formação de quadrilha, isso não mudaria a realidade reclamada pelo ministro Joaquim Barbosa. Não há uma mudança de interpretação sobre a lei. O julgamento já tinha ficado dividido lá atrás, em 6 a 4.
Sistema punitivo mais eficiente para pobres
O advogado, especialista em direito penal, reconhece que, no Brasil, há um sistema que pune com mais eficiência as pessoas mais pobres. Porém, isso ocorreria por causa da deficiência do Estado durante as investigações de casos mais complexos.
— O problema do nosso Estado, que pune mais o pobre, é que está programado para identificar, investigar e punir condutas simples. E esses crimes são mais complexos. Mas não é jogando a responsabilidade no Judiciário para que haja a condenação contra a convicção do juiz que as coisas vão mudar.
— A reunião do (José) Dirceu em Portugal: pode ser uma prova de quadrilha ou pode não ser uma prova — exemplifica Bottino.
Fonte: O Globo
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