sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Supremo descarta quadrilha do mensalão

Juliano Basile e Fábio Brandt

BRASÍLIA - Numa reviravolta que se tornou possível com a nomeação de dois novos ministros pela presidente Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, ontem, que o mensalão não foi uma quadrilha, mudou sua decisão de 2012 e absolveu oito réus que vão ser beneficiados com redução de pena, inclusive o petista José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A pena de Dirceu cairá de 10 anos e 10 meses de prisão para 7 anos e 11 meses. Ele passará do regime fechado para o semiaberto, no qual poderá trabalhar de dia e deverá retornar para dormir na prisão durante pelo menos um sexto dessa pena (1 ano e 3 meses). Além disso, acabou, pelo menos oficialmente, a simbologia de que o mensalão foi uma quadrilha liderada por Dirceu. O caso permanece como esquema de corrupção, desvio de dinheiro e compra de apoio político no Congresso.

A decisão do STF de retirar as condenações por formação de quadrilha foi tomada por seis votos a cinco, no julgamento dos embargos infringentes. Os protagonistas da reviravolta foram os ministros que a presidente Dilma Rousseff indicou a partir do segundo semestre de 2012, quando o tribunal começou a julgar o mensalão: Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki. Ambos concluíram que as penas por quadrilha foram exacerbadas.

Barroso apontou que o STF elevou essas punições em até 75% a partir da pena base, enquanto outros crimes tiveram aumento de 15% ou 30%. Zavascki foi além e disse que, no julgamento do mensalão, em 2012, o STF confundiu quadrilha com coautoria de crimes diversos. "É difícil afirmar que Dirceu e José Genoino tivessem se unido a outros agentes com interesse comum de cometer crimes contra o sistema financeiro. Da mesma forma, não parece verossímel afirmar que Kátia Rabello e José Roberto Salgado, dirigentes de instituição financeira, tenham se unido àqueles dirigentes partidários e a outros agentes com objeto e interesse comum de cometer crimes de corrupção ativa e passiva. Nada indica que eles se uniram para cometer crimes", disse Zavascki.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber também defenderam a tese de que não houve quadrilha no mensalão. Rosa proferiu o sexto e decisivo voto pela derrubada das penas por esse crime. "Não se configurou a formação de quadrilha", disse a ministra. Para ela, uma quadrilha só existe quando pessoas se associam especificamente para praticar crimes. Esse não seria o caso do mensalão, enfatizou Rosa. "A lei exige, na minha concepção, que a reunião dessas pessoas seja qualificada pela intenção especifica de cometer crimes", defendeu. "Há diferença marcante entre pessoas que se associam para cometer crimes e pessoas que se associam com finalidade outra, mas, no âmbito dessa associação, cometem crimes", diferenciou a ministra.

Com a formação dessa maioria no STF, a pena de José Genoino, ex-presidente do PT, caiu de 6 anos e 11 meses para 4 anos e 8 meses. No caso de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, a punição passou de 8 anos e 11 meses para 6 anos e 8 meses de prisão. Salgado e Kátia saíram de 16 anos e 8 meses para 14 anos e 5 meses. O publicitário Marcos Valério passou de 40 anos e 4 meses para 37 anos e 5 meses. Seu ex-sócio Ramon Hollerbach saiu de 29 anos e 7 meses para 27 anos e 4 meses. Cristiano Paz, outro ex-sócio de Valério, foi de 25 anos e 11 meses para 23 anos e 8 meses.

No dia 13, o STF vai retomar o julgamento para analisar três embargos infringentes que contestam as penas impostas aos condenados por lavagem de dinheiro. A tendência é que a Corte aceite os recursos e reduza a condenação do ex-deputado João Paulo Cunha de 9 anos e 4 meses para 6 anos e 4 meses. Já o ex-assessor do PP João Claudio Genu e o ex-sócio da corretora Bônus Banval Breno Fischberg devem ficar livres de qualquer condenação caso esses recursos sejam aceitos - diferentemente dos outros envolvidos que foram condenados por mais de um crime, eles só foram condenados por lavagem de dinheiro.

A reviravolta nas condenações do mensalão foi marcada por protestos dos ministros que tiveram a posição vencedora, em 2012, mas, ontem, foram derrotados no julgamento dos infringentes.

Indignado, o presidente do STF e relator da ação penal do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, disse que a Corte inventou um conceito discriminatório para o crime de quadrilha. Ele se referiu ao entendimento adotado pela maioria de que a quadrilha só se configura quando existe associação entre pessoas especificamente para cometer crimes. "Sob esse prisma, esse crime só poderia ser cometido por desempregados ou indivíduos à margem da sociedade", afirmou Barbosa.

"Essa é uma tarde triste para o Supremo porque, com argumentos pífios, foi reformada, foi jogada por terra, extirpada do mundo jurídico, uma decisão plenária sólida, extremamente bem fundamentada que foi aquela tomada por este plenário no segundo semestre de 2012", continuou o presidente. Para ele, as condenações foram derrubadas através de uma "maioria formada sob medida para jogar por terra um trabalho primoroso levado a cabo por esta Corte". "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que esse é apenas o primeiro passo. Que essa maioria de circunstância tem todo o tempo a seu favor para continuar na sua sanha reformadora."

O decano do STF, ministro Celso de Mello, negou excesso na aplicação de penas de quadrilha. "A exacerbação foi plenamente compatível e revela-se plenamente legítima, pois é impregnada de adequada justificação", enfatizou. "Houve um vínculo entre os réus de 2002 e 2005 para a prática de crimes deliquenciais. Os membros dessa quadrilha, reunidos em empresa criminosa que se apropriou do governo, agiram com dolo de planejamento e divisão de trabalho, como uma sofisticada organização criminosa."

O decano rebateu as críticas de que o STF criminalizou a atividade política. "O STF não condenou atores ou dirigentes políticos, mas autores de crimes", diferenciou. "São meros e ordinários criminosos."

Celso também refutou as acusações de que o julgamento se deu num "tribunal de exceção". "Essa acusação gravíssima há de ser repelida", disse. "Na realidade, o STF, como órgão de cúpula do Judiciário nacional, garantiu de modo real, pleno e efetivo às partes desse processo, tanto ao Ministério Público quanto aos réus, o direito a um julgamento justo, imparcial, isento e independente."

O ministro repeliu ainda as alegações de réus de que o julgamento foi uma farsa. "Nessa sucessão organizada de golpes proferidos contra nosso país é que reside sim a maior farsa da história política brasileira", ressaltou.

Gilmar Mendes afirmou que, ao longo do mensalão, houve a tentativa de reduzir o Supremo a uma Corte bolivariana. "Foi um julgamento acidentado, que se alongou. Dois colegas deixaram de integrar a Corte", disse Mendes, referindo-se a Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto, que votaram por condenações e se aposentaram no meio do julgamento, em 2012, sendo substituídos posteriormente por Zavascki e Barroso, que absolveram os réus. "Quem sabe a Corte será recomposta para a revisão criminal", continuou Mendes, citando um possível novo recurso dos condenados. "Mas o tribunal manteve a sua posição e esse é o dado positivo nesse quadro de práticas reprováveis. As instituições são mais fortes do que aqueles que a integram. O Brasil saiu forte desse julgamento porque o projeto era reduzir essa Suprema Corte a uma Corte bolivariana."

Para Marco Aurélio Mello, a resposta dada pelo STF nos embargos "é negativa". "Devemos honrar até mesmo os dois colegas que já não integram o colegiado", disse, lembrando-se de Britto e Peluso. "O Supremo de ontem assentou a condenação. O fez por seis votos a quatro. O Supremo de hoje, dando o dito pelo não dito, inverte o placar", lamentou.

Marco Aurélio ressaltou que as penas por quadrilha tinham "um simbolismo incomum" e, por isso, as defesas insistiram em afastá-las. "Insistência incentivada pelo fato de um Supremo de hoje não ser o de ontem", insistiu.

Ao fim, os vencidos seguiram o relator dos embargos, Luiz Fux, que votou pela manutenção das condenações.

Fonte: Valor Econômico

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