domingo, 27 de abril de 2014

O doleiro lava-jato

-Zero Hora (RS)

O doleiro Alberto Youssef começou a vida vendendo salgados, passou pelo contrabando de muamba paraguaia e hoje – preso pela Operação Lava-Jato, da PF – surge no centro de uma trama que envolve políticos de diferentes partidos e negócios suspeitos na Petrobras e no governo

Um rápido sobrevoo revela o boom imobiliário de Londrina, cidade paranaense de 485 mil habitantes. Graças à denúncia de um empresário do setor, lesado em um empreendimento, a Polícia Federal descobriu uma das maiores operações de lavagem de dinheiro do país. De quebra, a investigação revelou casos de corrupção na Petrobras e as relações incestuosas entre um doleiro e integrantes de diferentes partidos.

Com receio de novas descobertas, muita gente em Brasília dorme mal. O personagem do pesadelo é o doleiro Alberto Youssef, 47 anos. O menino que vendia salgados pelas ruas de Londrina agora é apontado como o responsável por lavar R$ 10 bilhões.

Os tempos de pasteleiro ficaram para trás assim que, ainda adolescente, Youssef vislumbrou novo mercado contrabandeando eletrônicos do Paraguai. Foi detido cinco vezes com muamba. Logo, Youssef descobriu um negócio mais vantajoso.

Com apoio de políticos corruptos, há duas décadas ele se envolve em casos de desvio de dinheiro público. Fez fortuna colecionando amigos poderosos, envolveu-se em escândalos como o do Banestado, no qual bilhões foram enviados para paraísos fiscais, e teve o nome ligado a réus do mensalão.

– O Banestado foi a catapulta para Youssef se firmar como o maior doleiro do país. Ele saiu praticamente quebrado e se recuperou rapidamente. Hoje, todos os doleiros giram ao redor dele – afirma o então promotor Luiz Fernando Delazari, um dos primeiros a denunciá-lo, 10 anos atrás.

As acusações contra Youssef se avolumam. Na quarta-feira, encabeçou uma lista de réus da Operação Lava-Jato. Entre outros crimes, é acusado de cometer 3.649 vezes o de evasão de divisas. Entre 2011 e 2013, remeteu para o Exterior cerca de US$ 450 milhões. O dinheiro, de acordo com as investigações, sairia do país para pagamentos de importações fictícias de empresas operadas por laranjas.

Segundo a PF, o dinheiro movimentado pelo doleiro circula no submundo do crime, envolve tráfico internacional de drogas e até contrabando de diamantes de uma reserva indígena em Mato Grosso. Entre seus comparsas, estão Maria de Fátima Stocker – braço financeiro de uma organização que fornecia cocaína para a máfia italiana, desmontada pela PF em março – e Nelma Kodama, que aparece em grampos como "Cameron Díaz", presa com US$ 200 mil na calcinha, quando embarcava para Milão.

Mas o que vem deixando gente com insônia são as ramificações de Youssef na vida pública. Além de ter sido flagrado trocando mensagens por celular com o deputado paranaense André Vargas (que pediu desfiliação do PT na sexta-feira), o doleiro tem relações com três dezenas de políticos, segundo comenta-se no Congresso.

Gente de PT, PP e PMDB, entre eles réus do mensalão, como o ex-assessor do PP, João Cláudio Genu. À época do esquema, foi Youssef quem delatou o Banco Rural e a corretora Bônus-Banval. O banco emprestava dinheiro ao PT, e a corretora fazia os pagamentos ao PP. Sua aproximação com os políticos começou em Londrina, com o falecido deputado José Janene (PP-PR), outro mensaleiro graúdo.

– A ligação dele sempre foi com o Janene – diz a vereadora Sandra Graça (ex-PP, hoje no Solidariedade).

Da Kombi ao jatinho
Após a morte de Janene, Vargas herdou as relações com o doleiro. Quem acompanha a ascensão do petista percebe o dedo de Youssef antes mesmo de o caso do jatinho vir à tona.

– Ele começou fazendo campanha em uma Kombi, hoje tem uma mansão – afirma um ex-cabo eleitoral.

A casa de Vargas não consta na declaração de bens registrada na Justiça Eleitoral. Foi erguida em um dos novos condomínios de luxo de Londrina e tem como vizinhos ilustres o narrador Galvão Bueno, o apresentador Ratinho e o cantor Luan Santana. Youssef mora em um apartamento na Vila Nova Conceição, em São Paulo, um dos metros quadrados mais caros do país.

A relação do doleiro com poderosos do PT e com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa começou a causar inveja em antigos aliados. "Você se aproximou do PR. Não tenho ciúme, mas me sinto traído. Hoje está poderoso, cortejado por todos, resolve tudo para todos", queixou-se Genu, em um e-mail interceptado pela PF.

As iniciais "PR" referem-se a Paulo Roberto Costa. Ele e Youssef são suspeitos de montar uma rede com fornecedores da Petrobras, empresas fantasmas e offshores no Exterior, que fechariam contratos fraudulentos. A suspeita é de que parte do dinheiro seria usada para pagar propina a políticos. A sociedade com "PR" fez a banca de Youssef crescer, assim como a entrega de dinheiro. Em uma caderneta do ex-diretor, aparecem iniciais de políticos ao lado de cifras.

Em março, enquanto o doleiro era preso no Maranhão, a PF explodia seu bunker em Londrina. Ele operava no hotel Blue Tree. Em outro escritório, foi apreendida quase uma central de telefones móveis: 27, ao todo. Outros sete estavam com o doleiro, com um sistema para interceptar grampos. As ligações e as mensagens feitas por esses aparelhos serão agora mapeadas pela PF, o que explica o nervosismo de muita gente em Brasília.

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