• O ex-presidente diz que a promessa de diálogo da presidente Dilma, por enquanto, são apenas palavras – e que é difícil passar uma borracha sobre as “infâmias” da campanha
Guilherme Evelin – Época
Após o anúncio da reeleição da presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso seguiu para o México para participar do 15º encontro do Foro Ibero-Americano, evento criado pelos escritores Carlos Fuentes e Gabriel García Márquez que, anualmente, reúne ex-chefes de governo e outras personalidades dos países ibero-americanos. Num dos intervalos do encontro, FHC conversou com ÉPOCA sobre o resultado da eleição, o papel da oposição diante dos acenos de diálogo da presidente Dilma e as perspectivas para 2018. Condenou a proposta de reforma política pela via do plebiscito e disse que o caminho correto é o referendo, desde que haja um acordo sobre o conteúdo das mudanças.
ÉPOCA – Como o senhor avalia a reeleição da presidente Dilma?
Fernando Henrique Cardoso – A vitória de Dilma foi bastante apertada, e Aécio chegou muito perto de ganhar. Isso mostra que o Brasil tem dúvidas sobre o melhor caminho. Do ponto de vista do PSDB e da oposição, é a primeira vez que chegamos tão perto, desde quando fui presidente. O Brasil tem força de mudança, e a própria presidente deve ter notado isso. O discurso dela pelo menos mostra isso.
ÉPOCA – Como recebe a promessa de diálogo da presidente?
FHC – Por enquanto, são palavras. E palavras, o vento leva. Temos de ver como ela agirá. Em junho, ela tentou negociar, mas não o fez de maneira apropriada e se precipitou. O mesmo parece acontecer agora. Ela fala em reforma política, mas não fala o que haverá nela. Fala em um plebiscito, quando o termo mais apropriado é referendo. Nós, da oposição, temos de manter a cabeça altiva e os olhos atentos. Importa o que ela fará, não o que ela diz.
ÉPOCA – Plebiscito sobre reforma política é inaceitável?
FHC – O próprio PMDB não aceita isso. Plebiscito é uma fórmula muito propícia à manipulação por parte do governo. É preciso haver primeiro um amplo debate político, para que as ideias amadureçam. Caso haja uma maioria no Congresso em torno de uma posição, submete-se então a questão a um referendo. O plebiscito funciona de outra forma. Se “plebiscitarmos” se deve haver pena de morte ou não, a resposta será sim. Se a maioridade penal deve ser reduzida, a resposta será sim. Aumentar o número de anos na cadeia? A resposta será sim. Tudo o que for mais autoritário normalmente encontrará uma resposta inicial favorável. A grande questão da democracia não é o voto, mas sim o modo como se chega ao voto. A maneira mais apropriada é o referendo.
ÉPOCA – É possível ter um acordo, então, em torno de um referendo sobre reforma política?
FHC – Primeiro, precisamos ver quais são os pontos da reforma política e a melhor maneira de fazê-la. Fora isso, há apenas palavras. Além disso, a campanha foi baseada em agressões pessoais. A respeito do Aécio, a respeito do Aloysio (Nunes Ferreira), a respeito da Marina (Silva). Fizeram reiteradas afirmações falsas a respeito do meu governo. Atribuíram a mim palavras que não disse sobre o Nordeste. Então, vamos passar uma borracha sobre tudo isso? Não! Tem de beijar a cruz. Fizeram uma campanha de ódio.
ÉPOCA – O acirramento da campanha permanecerá?
FHC – Espero que não permaneça. Mas, para ele não permanecer, estamos num jogo de xadrez. A iniciativa está com as pedras brancas. A movimentação é do governo, não nossa. Quem criou esse clima todo não fomos nós. Foi o governo. Quem falou que representamos o capital financeiro, que o Aécio é um playboy, que os tucanos quebraram o Brasil não fomos nós. Foi o governo. Se tivessem usado outra linguagem, apontando as diferenças reais que existem, seria possível conversar. Divergências políticas são sustentáveis. Com infâmias, não é possível conversar.
ÉPOCA – Aécio saiu com a melhor votação desde seu governo. Qual será, em sua opinião, o papel dele a partir de agora?
FHC – Ele deve valorizar o resultado, honrar a confiança depositada nele e ser o porta-voz da oposição no Congresso, fazendo um combate correto, sem agressões. O futuro de Aécio depende só dele.
ÉPOCA – Ele se tornou o líder natural do PSDB após a eleição?
FHC – Liderança não é um posto. É um exercício. Se ele exercer, será sim.
ÉPOCA – Por causa do petrolão, já há uma crise política contratada para 2015. Como a oposição reagirá às investigações?
FHC – Esse fato não é político, mas policial. E tem graves proporções. Um dos pontos importantes para o fortalecimento da democracia no Brasil é fortalecer as instituições de Estado: o Ministério Público, os Tribunais, a Polícia Federal. Na medida em que as instituições funcionarem, de forma adequada, cabe à oposição prestigiá-las. Não é a oposição que deve buscar os culpados e indiciá-los. As consequências políticas virão depois. Quem será atingido? Como a presidente reagirá? Ela não reagiu bem aos questionamentos sobre o Vaccari (João Vaccari, tesoureiro do PT). Ela fará como o presidente Lula, que finge que não aconteceu nada? Ou agirá como estadista? Estamos num momento delicado. Por enquanto, as coisas funcionam, mas ainda é cedo para falar na extensão delas. Suspeito que não seja apenas a Petrobras. Há os fundos de pensão, sabe-se Deus quanto a Eletrobrás está envolvida. Há um panorama que leva a crer que haja uma corrupção organizada, sistematizada e com bênçãos políticas. Isso é crime institucional.
ÉPOCA – A presidente disse que não deixará pedra sobre pedra.
FHC – O que aconteceu com a Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil)? Nada. Você lembra quando acusaram a Ruth (Cardoso) e a mim sobre os cartões corporativos do governo? Alguém apurou? Nada. Então, precisa ver se serão só palavras. Acredito na boa vontade da Dilma, mas tenho dúvidas se ela conseguirá escapar do sistema político em que está envolvida.
ÉPOCA – Em março de 2013, o senhor deu uma entrevista para ÉPOCA em que afirmou haver um “sentimento mudancista” na sociedade. Esse sentimento se manifestou nas eleições?
FHC – O sentimento mudancista se expressou. Não há dúvidas. Tanto que os dois lados usaram a palavra mudança por todo lado. Em São Paulo, vi um clima com similitude às Diretas Já! A classe média foi às ruas, numa demonstração de que o movimento começa a ganhar contornos políticos. Agora, o aproveitamento eleitoral do sentimento mudancista não foi generalizado. O ponto mais surpreendente foi Minas Gerais. Houve falhas. Não sei se do Aécio. Mas, da campanha, sim.
ÉPOCA – O senhor escreveu, há alguns anos, um texto em que afirmava que o PSDB deveria mirar as classes emergentes. A classe C não foi para Aécio na hora decisiva? O que aconteceu?
FHC – Não tenho dados para dizer o que ocorreu. A classe C de São Paulo, de Estados do Sul, do Mato Grosso, provavelmente, votou em Aécio. Mas, onde o governo tem influência, talvez a classe C tenha votado no PT. O fator determinante não foi a classe em si. Mas como ela se relaciona com o Estado. Onde o PSDB costuma ganhar e agora se reforçou? No Sul, São Paulo e em toda a zona que penetra Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e vai até o Acre. É a fronteira do agronegócio. É o Brasil moderno, que pulsa. Há presença do Estado, mas não é predominante. A divisão não foi entre os mais pobres e os mais ricos. Os mais pobres em locais modernizados votaram em Aécio. Agora, onde a máquina pública é mais influente, votaram no outro lado. Houve uma mudança na composição do PT. Ele nasceu no ABC, em São Paulo, mas agora perdeu no ABC e se enraizou em outras áreas do país, onde há dependência clientelística do governo. No passado, aconteceu uma coisa semelhante, entre MDB e Arena. O PSDB deve continuar a mirar nas classes médias emergentes. Isso é a modernização, o avanço, o progresso. Assim se cria uma classe mais empreendedora, mais autônoma, menos dependente do Estado.
ÉPOCA – O PT caminha para 16 anos de governo e já lançou Lula para 2018. Poderemos ter no Brasil algo semelhante ao que representou o PRI, no México?
FHC – O PT gostaria de ser o que o PRI foi no México do passado: um partido hegemônico atrelado ao Estado. O PT gostaria de ser hegemônico não só do ponto de vista político, mas também do ponto de vista das ideias. Ele usa o instrumental do Estado para modelar as imagens. Mas não consegue ser hegemônico. O PRI tinha muito mais votos que o PT. O PT sozinho não tem essa votação toda. Agora, caíram. São 70 deputados em 513. Mesmo essa questão de o Lula ser candidato... A oposição não deve temer o fantasma do Lula, não. Ele perdeu o prestígio. Onde ele indica, os nomes não ascendem.
ÉPOCA – Dilma disse que tentará mudar. O senhor acredita?
FHC – É difícil que alguém mude. Mas ela aceitou a noção do jogo político, que será desfavorável se continuar do jeito como está. Mas reitero: é preciso mudar com fatos, não com palavras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário