A ação terrorista em Paris tenta abalar a livre circulação de ideias e acaba conspirando contra a própria crença que os bárbaros pretendem defender.
A consternação mundial não é a única forma de compartilhar com os franceses a dor e a indignação pela barbárie que matou jornalistas em Paris. O mundo democrático compartilha também os danos do atentado e, ao mesmo tempo, a capacidade de reação da civilização. O terrorismo que investiu contra a publicação, sob o pretexto de que revidava ofensas a convicções religiosas, já produziu ataques semelhantes. Mas ainda não tinha alcançado resultados tão devastadores contra uma das mais consagradas formas de afirmar a liberdade de expressão. Os criminosos que se protegem sob dogmas, desrespeitando os próprios seguidores das crenças que desvirtuam, atacaram os humoristas, em particular, mas atingiram a todos os que trabalham em favor da livre circulação de ideias.
É simplista e mistificador tentar interpretar os assassinatos como o resultado de confrontos culturais e religiosos. O que aconteceu na sede do semanário Charlie Hebdo foi a ação de grupos extremistas que se opõem à convivência pacífica dos diferentes. Agindo pretensamente em nome do profeta Maomé, os matadores dos jornalistas franceses atentaram contra os esforços que têm sido feitos pelo próprio islamismo no sentido de reverter as manifestações de xenofobia de alguns segmentos de nações europeias. Ficam fragilizados com o ataque os pacifistas que vêm tentando atenuar a desconfiança disseminada por grupos minoritários, inconformados com a crescente presença de muçulmanos, em especial na Alemanha.
Observe-se que o massacre de Paris faz parte da lógica de ameaças que há anos são dirigidas a jornalistas, escritores, cineastas e artistas das mais variadas áreas, sempre sob o argumento de que os alvos devem ser eliminados ou amordaçados por suas ideias. A religião como desculpa apenas encobre fanatismos. Não são religiosos os que vêm perseguindo a imprensa nos últimos anos, pelos mesmos motivos, com repetidas advertências aos que consideram inimigos do Islã. São terroristas, incomodados também pela convivência dos povos das mais variadas origens na Europa que os acolhe como cidadãos, apesar do desconforto e da discriminação, reconhecidamente de exceção, de parte das populações.
Por isso o atentado de ontem não pode ser aceito como parte das profundas diferenças políticas, religiosas e de costumes definidoras de pluralidades e também motivadoras de conflitos. Não há como ser compreensivo com quem recorre ao terror para, atingindo a imprensa, agredir as sociedades democráticas e as liberdades. A resposta à barbárie deve ser dada com mais democracia e mais liberdade.
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