Massacre em jornal traumatiza a França
• Ataque com motivações religiosas deixa 12 mortos e 11 feridos no semanário "Charlie Hebdo", ameaçando a liberdade de imprensa, no maior atentado no país em 50 anos
Fernando Eichenberg – O Globo
PARIS - A França está em profundo estado de choque e em alerta máximo após o sangrento atentado terrorista que vitimou 12 pessoas e deixou 11 feridos - quatro deles gravemente - na manhã de ontem, na sede do jornal satírico "Charlie Hebdo", próxima à Praça da Bastilha, no centro de Paris. Foi o ataque com o maior número de mortes no país em meio século - em 1961, uma bomba explodida pela Organização do Exército Secreto francês provocou 28 vítimas na linha de trem Estraburgo-Paris - e um grave golpe à liberdade de expressão na França. A vigilância contra ameaças terroristas foi elevada ao seu nível de maior segurança na capital e arredores. Em reação ao terror, na noite de ontem mais de cem mil pessoas participaram de uma centena de espontâneas e emotivas manifestações em cidades pela França, além de várias cidades pelo mundo. O presidente François Hollande decretou dia de luto nacional hoje, e solicitou um minuto de silêncio da população.
Por volta das 11h20m, dois dos três agressores envolvidos no atentado - mascarados, vestidos de preto e portando fuzis kalashnikov e coletes à prova de bala - desceram de um veículo Citroën C3, com vidros escuros, estacionado próximo ao número 10 da Rua Nicolas-Appert, sede do semanário. Os dois homens primeiro se dirigiram ao número 6, onde se situa a entrada dos arquivos do jornal, e bradaram "É aqui o Charlie Hebdo?". Ao perceberem que se equivocaram de endereço, entraram no prédio correto e abriram fogo na recepção, matando uma pessoa. Em seguida, subiram ao segundo andar, e voltaram a descarregar seus fuzis na redação, executando oito cartunistas e jornalistas, um visitante e o policial que mantinha guarda permanente junto ao diretor do jornal após o incêndio criminoso ocorrido no local, em 2011. Após a chacina, os terroristas gritaram "Allahu Akbar!" ("Deus é grande!") e "Vingamos o profeta Maomé, matamos o Charlie Hebdo!". Na fuga, assassinaram mais um policial na rua.
Seu rastro foi perdido pelas autoridades, mas à noite o Ministério do Interior identificou três suspeitos - uma grande operação envolvendo grupos de elite da polícia ocorreu na cidade de Reims, no Nordeste da França. Segundo informações vazadas pela polícia, seriam três indivíduos, de 18, 32 e 34 anos. Os dois mais velhos seriam os irmãos franceses Saïd e Chérif Kouachi - Chérif foi julgado em 2005 por participar de um grupo de envio de jihadistas para combater no exterior. O mais jovem seria Hamyd Mourad.
lista negra da al-Qaeda
Entre as vítimas estão quatro nomes históricos do "Charlie Hebdo": Stéphane Charbonnier, o Charb (diretor); Jean Cabut, conhecido como Cabu; Bernard Verlhac, o Tignous; e Georges Wolinski. Os terroristas pareciam saber o dia e horário da reunião semanal, da qual participavam os principais profissionais do jornal. Segundo uma testemunha que sobreviveu ao se esconder atrás de uma mesa, os agressores falavam perfeitamente francês e se diziam representantes do grupo terrorista al-Qaeda, mas até ontem o atentado não havia sido oficialmente reivindicado.
Hollande convocou os líderes do Senado e da Assembleia para uma reunião esta manhã no Palácio do Eliseu, e ordenou o aumento da segurança em todos os locais com maior potencial de alvo de ataque terrorista. Ontem mesmo, o efetivo policial foi reforçado diante das sedes do jornal "Libération" e do canal BFMTV, já ameaçados no passado. E o número de soldados em patrulha passou de 450 para 650 na capital. No local da tragédia, o presidente pediu união:
- É uma barbárie. Os atiradores serão perseguidos durante o tempo que for necessário para que sejam levados à Justiça. A França está em choque. É um ataque terrorista, não há dúvida. Temos que mostrar que somos um país unido.
Desde 2013, o diretor do jornal figurava numa lista negra da al-Qaeda, condenado à morte por crimes contra o Islã.
- Talvez seja pomposo dizê-lo, mas prefiro morrer de pé a viver de joelhos - disse ao "Le Monde" há dois anos.
Philippe Val, ex-diretor e amigo da maioria das vítimas, estava abalado.
- Perdi todos meus amigos - disse, às lágrimas, à rádio France Inter. - Temos de estar juntos contra este horror. Ele não pode impedir a liberdade, a expressão, a democracia. É o que está em jogo.
Líderes repetiram apelos à unidade nacional. O ex-presidente Nicolas Sarkozy, no comando do principal partido de oposição, declarou que "a democracia deve ser defendida sem fraquezas":
- A firmeza absoluta é a única resposta possível. Conclamo todos os franceses a apresentar uma frente comum face ao terrorismo, à barbárie e aos assassinos.
Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, também insistiu na união nacional, e condenou firmemente o islamismo radical:
- O tempo da negação, da hipocrisia, não é mais possível. A recusa absoluta do fundamentalismo islâmico deve ser proclamada alto e forte por todo aquele que preza a vida e a liberdade como os valores mais preciosos - defendeu.
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