Os dados fiscais de julho mostraram que a situação das contas públicas é mais grave do que se imaginava. Enquadrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que condenou as "pedaladas fiscais" realizadas em 2014, o governo federal está regularizando o pagamento de todas as despesas orçamentárias. A realidade que está surgindo a partir dessa determinação é preocupante.
Para que se tenha uma ideia, o Tesouro pagou, apenas no mês passado, uma despesa com subsídios e subvenções de operações oficiais de crédito maior do que em todo o ano passado. A previsão oficial é que serão gastos R$ 20,6 bilhões nessa rubrica neste ano, contra apenas R$ 4,4 bilhões em 2014 - o gasto adicional será, portanto, de R$ 16,2 bilhões. A despesa com subsídios e subvenções existia no ano passado, mas não era paga integralmente e o passivo foi se acumulando.
Outro exemplo gritante de "pedalada" - que significa adiar o pagamento de uma despesa para melhorar artificialmente o resultado fiscal - ocorreu com o complemento do FGTS. A lei complementar 110/2001 criou um adicional ao FGTS, a ser pago pelas empresas em caso de demissão sem justa causa. A receita obtida seria usada para corrigir os saldos do FGTS decorrentes das perdas verificadas na implementação dos planos Verão e Collor I.
Depois que esse passivo foi pago, contudo, o adicional permaneceu. No Brasil, é quase impossível acabar com um tributo, mesmo quando o motivo que levou à sua criação desaparece. Como não havia mais passivo a ser pago, os recursos obtidos com o adicional deveriam ser repassados ao Fundo de Garantia. Em 2014, o governo não fez essa transferência. Neste ano, programou transferir R$ 5,7 bilhões.
Só nessas duas despesas (subsídios e complemento do FGTS), o fim das "pedaladas" resultará em gasto de mais de R$ 21 bilhões em 2015. O governo garante que está pagando tempestivamente todas as despesas com benefícios assistenciais, que também foram objeto das "pedaladas" em 2014, como o seguro-desemprego.
A decisão de regularizar os passivos acumulados nos últimos anos vai criar dificuldades também para o fechamento das contas em 2016. O maior problema para o reequilíbrio das contas públicas, entretanto, está relacionado com a expressiva queda da receita tributária. A previsão da maioria dos analistas do mercado consultados pelo boletim Focus, elaborado pelo Banco Central, é que o país continue em recessão econômica no próximo ano.
Quando a economia está em queda, a primeira vítima são os impostos, pois parte das empresas tende a adiar o quanto podem o pagamento de suas obrigações. Nos últimos anos, esse comportamento foi incentivado pela edição de numerosos Refis - os programas de parcelamentos de débitos tributários em condições vantajosas para os devedores. Algumas empresas decidem não pagar, na esperança de que um novo Refis seja aprovado.
Em recente nota técnica, a Receita Federal chamou a atenção para o fato de que a arrecadação tributária que está ingressando nos cofres do Tesouro é bem inferior a todas as suas projeções, mesmo ajustadas ao ciclo econômico. De janeiro a julho deste ano, a arrecadação federal já caiu 3,13% em termos reais, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Se o quadro recessivo se confirmar, muito provavelmente o governo não conseguirá cumprir a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para todo o setor público fixada para 2016, pois simplesmente não haverá receita tributária suficiente para cobrir as despesas. Mesmo porque os gastos obrigatórios têm uma dinâmica própria e crescem em ritmo acima da economia. Nesse cenário, 2016 pode repetir 2015, ou seja, o ano terminará com déficit primário nas contas públicas.
Essa é a realidade que está colocada e que precisa ser discutida. Não há dúvida de que o melhor caminho para reequilibrar as contas públicas é a redução das despesas. A elevação de tributos deve ser o último recurso, principalmente porque a carga tributária brasileira já é muito elevada. Há ainda uma questão pedagógica. A opção por uma elevação imediata dos impostos pode inviabilizar a discussão sobre o controle do crescimento do gasto.
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