- O Estado de S. Paulo
Coincidências existem. É difícil de acreditar, mas acontecem. Parece mesmo impossível, mas, a despeito das circunstâncias políticas evidentes, dois fatos sucedâneos podem não ter nada a ver entre si. Duvida?
Exemplo de coincidência inacreditável é quando o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, abandona anos de discurso cauteloso e arrisca uma imagem pública construída sobre comedimento (que invejosos chamam de insípida) para dar uma declaração dura e inconfundível. Tão inflamada que parece saída da boca dos rivais tucanos que ardem pela Presidência.
E o faz dias depois de aparecer em embaraçoso terceiro lugar numa pesquisa Ibope que comparou o desempenho dos três presidenciáveis do PSDB em um eventual 2.º turno contra Luiz Inácio Lula da Silva. Surpreendentemente, Alckmin saiu-se menos bem (não é o caso de dizer pior porque ele está à frente do petista – no limite do empate técnico, é verdade, mas à frente) até do que seu antecessor, José Serra, que, como o próprio gosta de lembrar, está há anos longe dos holofotes.
O que disse o governador?
“Temos que nos livrar dessa praga que é o PT. O PT do desemprego, da inflação, dos juros pornográficos e dessa praga do desvio do dinheiro público. Hoje é tempo de honestidade.”
O enunciado é milimetricamente preciso na hierarquia das palavras. “Desemprego”, “inflação” e “juros” são, nessa ordem, os três sintomas que a pesquisa Ibope identificou como a causa principal para dois em cada três eleitores se dizerem a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff: a economia.
O “desvio do dinheiro público” é a praga acessória à econômica que mais empurra brasileiros para a oposição ao governo do PT. E a frase final, “hoje é tempo de honestidade”, tem cheiro, cor, gosto e dimensão de slogan eleitoral.
Para completar, o discurso palanqueiro de Alckmin foi pronunciado em encontro dos principais caciques do PSDB, por ocasião da filiação ao partido do governador de Mato Grosso, Pedro Taques. Público mais dirigido e atento, impossível.
Dito assim, parece até que a indignação do governador foi estudada. Que a oportunidade foi escolhida e que suas palavras não foram espontâneas. Um observador mais afoito pode ficar com a impressão de que Alckmin – percebendo que perde terreno dentro do próprio partido – fez esse movimento abrupto e incaracterístico para igualar-se a Serra e Aécio Neves em antipetismo e, assim, reposicionar-se perante os tucanos.
A mesma afoiteza pode levar o desatento a enxergar nexo também entre o reposicionamento do governador e curioso evento patrocinado por ex-industrial que fez da outrora poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo trampolim para saltos em direção ao Palácio dos Bandeirantes. O evento reuniu uma dúzia de empresários e ex-empresários para dar um voto de desconfiança ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e assim jogar querosene na fogueira da incerteza econômica.
A incerteza econômica incendeia a instabilidade política. E o evento na Fiesp, em outras dessas coincidências incríveis, sucedeu declaração do maior banqueiro do País que procurava apagar a fogueira que seus colegas cuidaram de realimentar.
Setembro chegou. Com ele, nauseantes metáforas primaveris e libertárias vão brotar da boca de políticos e aspirantes. A adubá-las, o governo Dilma se esmera cogitando recriar imposto que até um algoritmo de computador – como o “Vai Passar?”, do Estadão Dados – é capaz de prever que não tem chance de ser aprovado pelo Congresso. Cogita em voz alta, apenas para recuar em seguida e acumular fracassos.
De fracasso em fracasso, de coincidência em coincidência, a preparação do impeachment persiste. Um ano depois, a eleição de 2014 terá seu 3.º turno. Seja qual for o desfecho, a opinião pública torce para que o 3.º seja o último.
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