No mês passado, a União arrecadou R$ 95,461 bilhões em tributos federais, no pior desempenho desde 2008. O valor é 17% menor do que em novembro do ano passado e um reflexo da recessão, que derrubou as vendas e os lucros das empresas. Segundo analistas, com a piora na arrecadação, dificilmente o governo conseguirá cumprir a meta de superávit fiscal primário do ano que vem, de 0,5% do PIB.
Cofres mais vazios
• Arrecadação cai 17,3% em novembro, e governo terá dificuldade de cumprir meta fiscal em 2016
Geralda Doca, Martha Beck, Gabriela Valente, Bárbara Nascimento - O Globo
-BRASÍLIA- Com a economia em recessão, a arrecadação de impostos e contribuições federais despencou em novembro e fechou o mês em R$ 95,461 bilhões, pior desempenho para o período desde 2008. O número representa uma queda real (já descontada a inflação) de nada menos que 17,29% em relação a 2014. No acumulado do ano, a sociedade recolheu R$ 1,100 trilhão em tributos, o que significa um recuo de 5,76% e o valor mais baixo desde 2010. Os números deixam evidente que as dificuldades do governo para fechar as contas de 2015 tendem a continuar em 2016, quando a expectativa do mercado financeiro é de uma retração de quase 3% para o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).
O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, afirmou ontem que o principal motivo da queda na arrecadação é a retração da atividade, que reduziu as vendas e a lucratividade das empresas. Ele disse que os números de dezembro devem ser um pouco melhores, mas não suficientes para reverter o quadro negativo do ano:
— O período de janeiro a novembro foi fortemente afetado pela deterioração do cenário macroeconômico. No mês de dezembro, nós verificamos que os primeiros números são bastante positivos. Mas não serão suficientes para reverter o resultado do ano, que será negativo.
Ele tentou fazer uma previsão mais otimista para 2016, destacando que a Receita espera um aumento da arrecadação por conta das medidas de ajuste fiscal, como a reoneração da folha de pagamento das empresas e a volta da CPMF:
— Para 2016, nossa expectativa é de que as medidas de ajuste fiscal comecem a produzir efeitos — disse Malaquias.
Mercado acredita que retração vai continuar
O otimismo, no entanto, não contagia o mercado. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que governo pode ter conseguido o sinal verde do Congresso para fazer uma meta fiscal menor em 2016, de superávit primário de R$ 30,6 bilhões, ou 0,5% do PIB. No entanto, esse número — que causou tantas brigas dentro da equipe econômica e acabou levando Joaquim Levy a pedir demissão do comando do Ministério da Fazenda — dificilmente será atingido.
Eles lembram que a meta, seja ela de 0,7% do PIB, como queria Levy, ou de 0,5% do PIB, depende de receitas que não estão garantidas, como a recriação da CPMF e a venda de ativos, que não necessariamente terão demanda. Os especialistas lembram ainda que a retração econômica vai continuar a derrubar as receitas e que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff fragilizou o governo de tal maneira que há muito pouca margem de manobra para que o Congresso aprove medidas impopulares como aumento de impostos.
Além da CPMF, a equipe econômica editou duas medidas provisórias em 2015 que dariam uma arrecadação adicional em 2016, mas não foram aprovadas pelo Legislativo. A MP 692, que cria uma tributação gradual do Imposto de Renda (IR) sobre ganhos de capital na venda de imóveis, e a MP 694, que faz uma série de ajustes em impostos, como o aumento do IR para Letras de Crédito (LCI e LCA).
— Um primário de zero já seria uma meta bastante ousada (para 2016). O resultado depende de uma enormidade de receitas extraordinárias — afirma o economista Fernando Montero, da corretora Tullet Prebon Brasil, acrescentando: — Politicamente você vai ter que fazer o diabo para entregar um resultado primário equilibrado.
O governo sabe dos desafios da meta de 2016. Tanto que, quando propôs ao Congresso a redução do esforço fiscal, também incluiu a adoção de uma cláusula de abatimento pela qual o número poderia ficar zerado. Ela previa a possibilidade de um desconto de R$ 30,6 bilhões do resultado primário, caso houvesse frustração de receitas em relação ao previsto no Orçamento. Também poderiam ser abatidos da conta gastos com restos a pagar de investimentos, ações de vigilância sanitária, combate a endemias, ações de combate à seca ou mitigação dos efeitos em áreas afetadas por desastres. Nada disso convenceu os parlatudo mentares, e a cláusula foi rejeitada.
Os economistas lembram que a meta fixada não é impossível, mas requer a busca de outras receitas, o que poderia ser feito por meio de aumento de impostos que não precisam passar pelo Congresso (como a Cide e o Imposto sobre Operações Financeiras). Também será preciso conseguir concretizar operações como a abertura de capital (IPO) do IRB-RE (ex-Instituto de Resseguros do Brasil) e da Caixa Seguradora. Essas operações, que poderiam resultar num reforço de R$ 5 bilhões aos cofres públicos, estavam previstas para 2015, mas foram adiadas por causa das turbulências no mercado. Eles também apontam a necessidade de novos cortes de gastos:
— Desde que se tenha vontade política é possível. Se aprovar a CPMF, subir IPI, pode ser. Há uma série de medidas que ficaram para o ano que vem como o IPO da Caixa e do IRB. Se fizer isso, dá para economizar — diz o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Mas ele não trabalha com esse número: — Eu acho que o 0,7% do PIB (número que era defendido por Levy) é o ideal. Mas estamos trabalhando com déficit de 0,9% do PIB, pois estamos prevendo inflação de 6,5% e retração da economia de 2,6%.
É a mesma previsão do economista da MB Associados Sérgio Vale:
— A recessão ano que vem será igualmente severa, fazendo com que a receita volte a cair em torno de 7%. Mais ainda, o déficit da Previdência Social será bem maior ano que vem com a piora no mercado de trabalho e o aumento do salário mínimo em 10%. Assim, é praticamente impossível um superávit ano que vem. Devemos ter outro déficit, na ordem de 0,9% do PIB.
Arrecadação de impostos de empresas cai 14%
Montero pondera que, para fazer um superávit, ou mesmo um déficit pequeno no ano que vem, o governo tem um difícil caminho pela frente. Ele lembra que, para reequilibrar a economia, o governo precisa de diálogo com o Congresso. Além disso, paralelamente, o governo lida com um grande volume de incertezas, o que deteriora, semana a semana, as previsões do mercado para a economia.
De acordo com a Receita, entre janeiro e novembro, a arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) caiu 13,96%. Reflexo do encolhimento do mercado formal de trabalho, as contribuições para a Previdência Social recuaram 6,16%.
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