Fica um pouco difícil para os brasileiros honestos, que trabalham e pagam impostos, entender como é possível que um parlamentar investido das funções de relator das contas do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso seja capaz de, numa penada, contrariar a opinião unânime dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), que em outubro recomendaram a rejeição das contas da presidente Dilma Rousseff em 2014 devido a uma série de irregularidades, entre elas as “pedaladas” em desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal. O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), ao apresentar seu relatório, cumpriu à risca o que dele esperava o Planalto. É o preço que ele e seu partido pagam sem pestanejar pelo privilégio de desfrutar – e, no caso do PDT, bota desfrute nisso – da parte que lhes cabe no toma lá dá cá que garante o que ainda resta da chamada base de apoio parlamentar ao Planalto.
É claro que o TCU não é um tribunal, não integra o quadro do Judiciário e é apenas um órgão técnico de apoio ao Parlamento. Seus ministros, em geral, são escolhidos nos quadros políticos do País, mas seu corpo técnico é altamente especializado. Sua competência é internacionalmente reconhecida. Assim, quando emite um parecer técnico que é adotado por unanimidade pelos ministros, não é razoável inquiná-lo de suspeição por motivos políticos.
Motivos políticos têm aqueles que pretendem impedir que a rejeição das contas da presidente pelo Congresso leve água para o moinho de quem defende o impeachment de Dilma. A CMO, portanto, está sendo levada, pelo que sinaliza a atitude de Gurgacz, a se transformar em palco do embate político entre os que querem e os que não querem o impeachment.
O Congresso está em recesso e só a partir de fevereiro a CMO voltará a cuidar do assunto. Mas o relatório de Gurgacz representa mais uma pequena vitória a ser comemorada pelo governo, que se soma à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular todo o rito do processo de impeachment urdido pelo ardiloso Eduardo Cunha com a intenção de colocar todo o poder de que dispõe como presidente da Câmara a serviço do impeachment da chefe de governo que se tornou sua maior inimiga. Diga-se a bem da verdade, no entanto, que esse triste episódio da história política nacional não se centra na disputa Dilma versusEduardo. Isso é o que eles querem que o público veja. O fato é que ambos violaram a lei e agora tentam burlar a Justiça fazendo todo tipo de confusão de que são capazes.
O parecer de Gurgacz é motivo de comemoração para o governo. O chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, até já se permite alardear que o impeachment “está natimorto”. No Planalto, os mais otimistas já sentem o ambiente desanuviar-se e Wagner é um dos que, atento à prédica lulista de que faltam “boas notícias”, exibem confiança: “Nós vamos reequilibrar a Câmara; tenho convicção que já estamos reequilibrando”.
Pura ilusão, produto de uma visão petista distorcida e autocentrada da crise que o País enfrenta. O impeachment de Dilma pode ser no momento o maior problema para o PT. Mas o maior problema para o País é a crise moral, que conspurcou instituições, empresas e seus representantes. É a crise política que daí decorre agravada pelo rigor ideológico e pela inaptidão para o diálogo da presidente. É a crise econômica que o governo demonstra ser incapaz de enfrentar e que, ao que tudo indica, tenderá a piorar na medida em que o novo ministro da Fazenda, o “desenvolvimentista” Nelson Barbosa, começar a exercitar seus talentos.
Dilma é o maior obstáculo à recuperação moral, política e econômica do País. É impossível combater uma crise grave como a atual se o governo não tiver a coragem de adotar o remédio amargo de medidas impopulares. No campo econômico, por exemplo, o que se tem feito é o oposto. O PT e as “forças democráticas” que manipula conseguiram criar resistências às medidas de saneamento das contas públicas propostas pelo demitido Joaquim Levy. Agora que comemoram a elevação de um dos “seus” ao comando da equipe econômica, certamente petistas e linhas auxiliares, sentindo-se mais poderosos, terão menos paciência e maior nível de exigência em relação a “boas notícias”. Mas o voluntarismo populista é tudo de que o Brasil não precisa neste momento.
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