quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Juliano Basile: Lava-Jato rumo aos 100% de apuração

• O mensalão teve 40 réus; a Lava-Jato já tem 173 acusados

- Valor Econômico

Quando o julgamento do mensalão estava na fase de embargos, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, lamentou que as apurações não alcançaram mais do que 20% do esquema de desvio de dinheiro para compra de apoio político no Congresso.

No último dia 24, após a prisão do empresário José Carlos Bumlai, o procurador Carlos Fernando Santos Lima, da força-tarefa, em Curitiba, foi questionado sobre o alcance das investigações da Operação Lava-Jato e respondeu que elas vão chegar até o último ilícito. Para quem ouviu a declaração com ceticismo, as prisões do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e do banqueiro André Esteves, no dia seguinte, indicaram que a Lava-Jato tem potencial para atingir algo próximo aos 100% de apuração sobre desvios ocorridos não apenas na Petrobras como em outras negociatas entre empresas, bancos e políticos.

Pode demorar alguns anos para isso acontecer, mas os fatos da semana passada acrescentaram um político influente e um banqueiro à lista daqueles que, na perspectiva de um longo tempo na prisão, podem vir a colaborar na tentativa de deixar uma cela fria. Eles estão em situação parecida a Bumlai, ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, a executivos de empreiteiras e doleiros. Para completar, a Andrade Gutierrez fez um acordo com as autoridades pelo qual vai pagar R$ 1 bilhão e colaborar com as investigações, na esteira do assinado pela Camargo Corrêa que pagará R$ 700 milhões.

A avaliação de Joaquim Barbosa de que o esquema do mensalão foi muito maior do que o condenado tem sustentação no fato de que aquela foi uma investigação fechada. O então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, concentrou-se nas provas que tinha e, em meio a uma competição entre o Ministério Público Federal e a CPI dos Correios - presidida por Delcídio - denunciou 40 pessoas, em março de 2006. As peças mais importantes do mensalão eram discutidas por um grupo de três procuradores auxiliares de Antonio Fernando num McDonald's da Asa Sul. Já os pedidos de prisão e as denúncias da Lava-Jato são debatidos numa sala-cofre ao lado do gabinete do procurador-geral, Rodrigo Janot, por uma força-tarefa que conta com oito integrantes.

A denúncia do mensalão chegou ao STF numa Kombi e houve apenas uma delação premiada - a do corretor Lúcio Bolonha Funaro. Próximo do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Funaro não contou tudo o que sabia - tanto que um dos procuradores ameaçou rasgar o seu depoimento dos autos e cancelar a sua delação, o que o fez esclarecer pontos obscuros das doações ao PL (atual PR). Mas ele não foi muito além dos repasses a partidos políticos.

Iniciada em 17 de março de 2014, a Lava-Jato já tem 35 delatores e alguns revelaram esquemas de desvios de dinheiro que os investigadores não tinham como precisar. O último acordo foi firmado com Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras, e possui 29 anexos. São 29 capítulos de crimes. O 29º é o que levou Delcídio e Esteves à prisão. Restam mais 28 histórias, que podem resultar em novas fases da operação.

Ao contrário do mensalão, a Lava-Jato é uma investigação aberta, que se desdobra em fases pontuais, inaugurando novos capítulos todos os meses. O roteiro da operação depende da capacidade de a Polícia Federal analisar provas, de o MPF obter novas informações e de dois juízes que avalizam os passos da investigação - Sergio Moro, na 1a instância, e Teori Zavascki, no STF.

Se parte das provas do mensalão foi queimada num aterro em Belo Horizonte, perto da agência do publicitário Marcos Valério, novas provas da Lava-Jato surgem a cada dia. Ao todo, foram abertos 941 procedimentos de investigação, cumpridos 360 mandados de busca e apreensão e 116 de prisão. Se o mensalão teve 40 réus, dos quais 24 foram punidos, a Lava-Jato já tem 173 acusados e 75 condenados.

No mensalão, os ministros do STF ficaram estarrecidos ao ver que Henrique Pizzolato, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, recebeu de Valério R$ 326 mil em sua residência e alegou que nunca abriu o pacote para verificar se havia dinheiro lá dentro. Ele fugiu para a Itália após ter sido condenado por desvios de R$ 73 milhões. As propinas do mensalão foram estimadas em R$ 141 milhões pelo MPF. Os cálculos atuais da Lava-Jato indicam R$ 6,4 bilhões em propinas. Os pedidos de ressarcimento somam R$ 14,5 bilhões. Perto da Lava-Jato e de sua capacidade de expansão, o mensalão se tornou fichinha. Conta de farmácia.

Os tentáculos da Lava-Jato são tão elásticos que fatos não apurados no mensalão estão em plena investigação na operação que já dura 20 meses e não tem data para terminar. Um exemplo é o depoimento de Valério, em setembro de 2012, quando ele percebeu que seria duramente condenado pelo STF, e revelou ter sido procurado para ajudar num empréstimo ao empresário Ronan Maria Pinto, de Santo André, que queria comprar o "Diário do Grande ABC". O jornal publicava diariamente reportagens investigativas sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel, do PT, em janeiro de 2002. "Me inclua fora disso", disse assustado o publicitário.

Agora, a Lava-Jato está apurando se Bumlai e o Banco Schahin teriam ajudado no empréstimo. Após a concessão, o empresário do setor de lixo virou dono de jornal, a Schahin obteve contratos milionários na Petrobras e Bumlai ganhou "passe livre" para entrar no Palácio do Planalto - nome da fase da operação Lava Jato que o prendeu, no último dia 24.

Provavelmente, o mensalão continuará como o maior julgamento da história do STF e não será ultrapassado pela Lava-Jato neste aspecto. Os ministros do STF não vão concordar em perder 53 sessões - um semestre - julgando um único caso. A Lava-Jato será julgada a conta-gotas, em sessões fatiadas. Essas fatias vão minar ainda mais a capacidade de o governo organizar a sua base de apoio no Congresso e esse preço será bastante alto para o país já que, na economia, a recessão deve durar todo 2016. A única solução possível na visão dos investigadores é apurar 100%. É descobrir na Lava-Jato todos os mensalões que foram e que ainda são pagos para que eles nunca mais se repitam.

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