segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A verdade do impeachment – Editorial / O Estado de S. Paulo

A estratégia governista para enfrentar o pedido de impeachment é fugir dos fatos. Difundido nas redes sociais, sob as bênçãos do Palácio do Planalto, um documento preparado para munir a militância petista de argumentos em defesa do mandato da presidente Dilma nada mais faz do que desviar a atenção do que realmente importa – a responsabilidade da presidente Dilma Rousseff por atos ilícitos.

“Construído em consenso por diversos atores políticos” – assim diz o texto –, o documento “demonstra porque o impeachment de Dilma é frágil.” Não é essa, no entanto, a conclusão a que se chega após sua leitura.

Como primeiro ponto a ser difundido pela militância, o governo federal tenta vincular o pedido de impeachment ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Trata-se da primeira falácia. O impeachment não nasceu da vontade de Cunha, como se fosse um ato de vingança pessoal do presidente da Câmara contra a presidente da República.

O pedido de impeachment atualmente em análise pelo Congresso Nacional tem sua origem nas evidências de que Dilma Rousseff infringiu consciente e repetidamente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). As pedaladas fiscais – cuja prática foi ampla e publicamente reconhecida pela própria presidente – são um claro desrespeito à legislação brasileira.

É nessa simples e irrefutável constatação que se encontra a base jurídica para o pedido do impeachment. É dessa simples e irrefutável constatação que nasceu na opinião pública uma forte aspiração pela saída da presidente.

Eduardo Cunha ocupar a presidência da Câmara é apenas uma circunstância. Ela não é o fundamento do impeachment nem é o seu motivo. Basta ver que o povo brasileiro também quer Cunha – com a penca de denúncias que o cercam – fora da Câmara. A tentativa de atribuir o pedido de impeachment a um embate pessoal entre Cunha e Dilma desrespeita a inteligência da população. O problema da presidente Dilma não é Eduardo Cunha. O seu problema é simplesmente a lei – e a população, que não admite ver seus governantes acima da lei.

Os pontos do documento em defesa de Dilma relacionados ao conteúdo jurídico do pedido de impeachment apenas reproduzem argumentos apresentados ao Tribunal de Contas da União (TCU). À revelia da lei e dos fatos, o Palácio do Planalto continua afirmando que as pedaladas fiscais não configuram operações de crédito na forma da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ora, as pedaladas fiscais infringem, sim, a LRF e a presidente Dilma bem o sabe. Basta ver seu empenho no fim de 2015 para pagar aos bancos públicos o que o governo federal ainda devia.

O texto tem uma nítida intenção de confundir. Diz, por exemplo, que “sem manifestação do Congresso, é impossível afirmar que houve efetiva e formal rejeição das contas do governo”. Ora, o pedido do impeachment não se baseia na rejeição das contas do governo. O seu fundamento é o desrespeito à LRF.

Com o documento em defesa da presidente, o Palácio do Planalto mais uma vez demonstra profunda falta de sintonia com a sociedade. Parece não ter percebido ainda que a população rejeitou a estratégia utilizada na campanha presidencial de 2014: esconder a crise e prometer o que sabia ser impossível de ser cumprido. Basta ver os atuais índices de popularidade da presidente Dilma para comprovar que o brasileiro não quer ser enganado. No entanto, o Palácio do Planalto insiste na mesma estratégia – a distorção da verdade – para agora defender a presidente Dilma. Finge não ver que os mesmos pontos que agora tenta apresentar à militância petista já foram rejeitados pelo TCU, quando emitiu o unânime parecer aconselhando o Congresso a rejeitar as contas do governo Dilma.

Crime é crime, por mais fumaça política que se levante. Não é certo que o impeachment passará. É certo, no entanto, que com sua conduta a presidente Dilma deu bons motivos jurídicos e políticos para o seu afastamento pelo Congresso.

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