• Há inúmeros casos de gestão bem-sucedida pela adoção desse novo arranjo administrativo na rede pública
A Constituição garante atendimento gratuito na rede do Sistema Único de Saúde — em tese, uma conquista, assegurada pelo princípio da restauração da democracia pós-64 que perpassa a Carta. Mas, entre a boa intenção de oferecer acesso universal a serviços de saúde, por suposto com qualidade na assistência médica, e a realidade de um Estado minado por drenos assistencialistas e corporativistas, a distância é enorme.
Ela se mede, por exemplo, na degradação crônica da prestação de serviços, colapsos que paralisam hospitais e clínicas públicas, filas intermináveis em ambulatórios e, quase sem exceção nas unidades sob administração direta do poder público, virtual falência da rede do SUS. Num sistema em que a eficiência é engolida por gestão ineficiente, casos de corrupção, surtos de corporativismo e outros males da burocracia estatal, crises como a que consome atualmente a rede oficial de saúde fluminense são a norma no país.
O Rio de Janeiro talvez seja, por ora, o exemplo extremo de falência do sistema de saúde pública, nos moldes em que ele se assenta, mas por certo não é o único estado a enfrentar o fantasma do colapso devido à crise fiscal. No caso fluminense, às deficiências estruturais da rede de atendimento público somam-se aspectos específicos. O novo secretário de Saúde, Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, observa, por exemplo, que a grade de atendimento do Rio é uma das melhores do Brasil, mas foi formada num momento de bonança financeira. Por sua vez, os governos fluminenses não tiveram visão estratégica na questão da dependência do estado às receitas do petróleo.
Desde o fim de 2014, eram evidentes os sinais externos de queda no preço da commodity. À redução da entrada de royalties somaram-se a tempestade na Petrobras e a crise econômica do país. Houve também boa-fé, ou inocência, quando se acreditou no canto da sereia, entoado pelo lulopetismo, do pré-sal como futuro dínamo para novo ciclo de gordas receitas decorrentes da exploração dessas reservas de óleo. Tudo considerado, formou-se receita certa para alimentar a atual debacle na saúde pública.
Por hipocrisia política ou ideológica, estes aspectos não têm sido considerados por críticos que, diante do colapso fluminense, aproveitam para jogar na conta das Organizações Sociais uma suposta responsabilidade pelo caos na saúde. Além disso, leva combustível para tais críticas o episódio tópico dos “malfeitos” da Biotech, cujos mandatários foram apanhados em atos criminosos, contra princípios administrativos da empresa, dona de um contrato de gestão com o estado.
A corrupção da Biotech precisa ser tratada no âmbito que lhe cabe — o de ocorrência policial. Contra esse desvio ético, há inúmeros casos de gestão bem-sucedida em todo o país, e não só na saúde, pela flexibilização das normas de administração de serviços públicos a partir desse novo tipo de arranjo gerencial. A crise no setor é aguda, mas precisa ser enfrentada a partir das reais causas que a ela levaram. Desviar o foco da questão atende apenas a interesses que passam ao largo da solução para esse grave problema.
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