Por Raymundo Costa e Andrea Jubé - Valor Econômico
BRASÍLIA - Prevista para a segunda quinzena de março, a convenção nacional do PMDB pode se transformar na Batalha de Itararé, aquela que os livros de história dizem que não houve. De início, a reunião deveria marcar o início do desembarque do governo; hoje o vice-presidente Michel Temer trabalha para que o assunto nem entre na pauta do encontro. Mais recentemente, a convenção poderia marcar o fim da presidência Temer, desde 2001 no comando do partido, mas os senadores estimulados pelo governo a liderar o movimento pela destituição preferem, no momento, falar em unidade partidária.
Lançado pelo líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Leonardo Picciani, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), agradeceu a distinção, mas avisou que "não postula" o lugar de Temer. Segundo sua assessoria, Renan somente seria candidato se o nome dele pudesse significar "a reunificação do partido". O líder da bancada no Senado, Eunício Oliveira (CE), apontado como um dos entusiastas da candidatura Renan, diz que joga pelo entendimento.
"A nossa briga não nos serve", diz Eunício. "Pode servir a nossos adversários e até a alguns dos nossos aliados, mas não serve a nós". O líder afirma que nunca tratou com Picciani sobre a presidência do PMDB, que não tem nada contra Renan, mas também sempre esteve com Temer. Só na atual Executiva do PMDB, do qual é tesoureiro, Temer e Eunício estão juntos há mais de dez anos. "Se não tem nenhuma motivação para a briga, por que vamos brigar?", questiona Eunício. "Não dá para fazer a divisão entre quem é ou não governo, até porque o Michel é governo".
"Por mim não haverá disputa, não vejo motivo. É uma guerra sem causa", diz o senador Jader Barbalho (PA), um dos nomes mais influentes do partido. Num momento de fragilidade das instituições, argumenta Jader, "se não podemos festejar o presente, vamos, ao menos, homenagear o passado do partido, que hoje já é o mais duradouro da história da República". Jader lista os "serviços prestados" pelo PMDB ao país: as campanhas da anistia, das diretas já [pelo restabelecimento de eleições diretas para presidente, suprimida pela ditadura] e a convocação da Constituinte. "Eu não participarei dessa Batalha de Itararé".
Pelo sim, pelo não, Michel Temer se movimenta como se fosse ter um adversário na convenção. Em 2007, Renan, José Sarney (AP) e Eunício, que havia sido ministro das Comunicações do governo Lula com o apoio de Temer, lançaram a candidatura de Nelson Jobim para a presidência do PMDB. Jobim não conseguiu montar uma chapa para disputar e saiu atirando no governo. "Os acontecimentos das últimas horas [a escolha do ex-deputado Geddel Vieira Lima para o Ministério da Integração Nacional] enunciam opção objetiva do governo quanto à disputa no PMDB", disse Jobim, em nota. "Diante disso resta-me afastar-me em definitivo da contenda".
Temer já contou com a retaguarda do governo em outras eleições, inclusive na primeira, em 2001, quando disputou com o ex-senador Maguito Vilela, de Goiás. Temer venceu a convenção e levou o partido a se aliar com o PSDB na eleição de 2002, quando o PMDB indicou a então deputada Rita Camata para a vaga de vice na chapa do candidato tucano, o hoje senador José Serra (SP). Atualmente, se pudesse, o governo interferiria na convenção contra Michel Temer, mas a fragilidade da presidente Dilma Rousseff, uma presidente impopular às voltas com uma grave crise política e econômica, favorece a campanha de Temer pela reeleição. Os pemedebistas também não consideram o líder na Câmara, Leonardo Picciani, um motivo pelo qual valha a pena disputar.
No próxima semana, Temer inicia pelo sul do país uma maratona de viagens em campanha pela reeleição à presidência do PMDB. O vice está há 15 anos no cargo por ter entendido a regra básica de convívio da federação pemedebista: a composição. Eunício tentou ensinar isso a Picciani - se o líder deveria indicar oito nomes para a comissão do impeachment na Câmara, deveria ao menos apontar dois favoráveis ao afastamento da presidente, já que o partido está dividido, neste assunto. Aliado ao Palácio do Planalto, Picciani não quis fazer concessões e foi derrubado por alguns dias da função de líder. Agora tudo indica que Picciani será reconduzido líder; contestado, Temer voltou à velha prática pemedebista e não criou obstáculos para a indicação de um deputado mineiro para a Secretaria da a Aviação Civil. Como se diz no PMDB, não há nada que detenha água morro abaixo, fogo morro acima e um pemedebista quando quer ser ministro.
Surpreendeu os pemedebistas a desenvoltura com que Temer circulou no impeachment. Até o lançamento do programa "Uma Ponte para o Futuro" foi bem recebido nas áreas mais críticas do partido, mas a lamuriosa carta que escreveu para a presidente Dilma Rousseff não foi digerida. Temer foi aconselhado a manter a postura de Café Filho e de Itamar Franco, que na condição de vices de Getúlio Vargas e de Fernando Collor, respectivamente, não foram vistos conspirando contra o titular. Amigos de Temer chegaram a sugerir que ele viajasse com a mulher e ficasse uma temporadas distante do olho do furacão, em Brasília.
Numa composição, o senador Romero Jucá (RR) pode ser o primeiro-vice e na prática presidiria o partido, a partir de março, pois Temer se licenciaria do cargo, enquanto fosse vice-presidente da República. Assim como acontece agora em relação ao senador Valdir Raupp (RO). Se houver disputa, com Renan ou algum indicado dos senadores, o cenário atual é amplamente favorável a Temer. Um levantamento feito por seus aliados indica que apenas nos dez maiores colégios eleitorais, que representam mais de 70% dos votos dos convencionais, Temer teria 304 votos contra 113 de seu adversário.
As contas do próprio Temer são um pouco mais modestas. Ele reconhece que pode perder no Rio de Janeiro - o maior colégio eleitoral - e no Ceará, territórios dos líderes Picciani e Eunício, mas acredita que entra com alguma tranquilidade no eleitorado de Minas Gerais. A Paraíba também está dividida, nas contas de Temer e seus aliados. Nesse ritmo, a convenção pemedebista dificilmente reeditará a convenção de 1998, que rejeitou a candidatura de Itamar Franco a presidente e terminou em pancadaria e quebra-quebra. Mas também deve ser levado em conta a data da convenção, março, quando dois temas podem novamente incendiar o partido: a decisão do Supremo Tribunal Federal decidir a sorte do deputado Eduardo Cunha (RJ), presidente da Câmara e aliado de Temer, e a instalação da comissão do impeachment da presidente.
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