Sonia Racy - O Estado de S. Paulo (5.3.2016)
A sequência de fatos graves na política e na economia do Brasil, nos últimos tempos, não deixa dúvidas para Milton Lahuerta: “Não tivemos nada equivalente nas últimas décadas”. Segundo o professor de Teoria Política da Unesp, “estamos no começo do ano e a sensação já é de agonia”.
Por quê? “Não vemos ninguém, dos dois lados do atual conflito, pensando na grande política, em negociar um projeto nacional que todos aceitem, para que o País saia da crise e avance”. Sua conclusão: “Ou as lideranças aceitam conversar ou tudo vai piorar”.
Os recentes episódios da Lava Jato envolvendo o senador Delcídio Amaral e Lula agravaram o clima político. Como vê o problema?
Não tivemos no Brasil, nas últimas décadas, nada equivalente ao que vemos hoje. A gravidade do quadro é estrondosa. É um processo que vem dos anos 80, com a deslegitimação da política e a desqualificação da vida pública e que agora envolve personagens decisivos, como Dilma e Lula, em meio ao aprofundamento da crise econômica.
As provocações desta sexta-feira, entre grupos pró e contra Lula pode evoluir para algo sério, tipo 1964?
É uma polarização grande, mas desta vez não há nenhum golpe à vista e o Estado de Direito está bem defendido – mesmo que o Judiciário, aqui e ali, possa ter cometido alguns equívocos. O risco é que de um lado o desencanto – mas não o abandono – do PT, e do outro a certeza de que dá para consertar o País sem ele, podem aprofundar esse abismo. Em tempo de redes sociais, esse radicalismo tende a se agravar.
Qual a dimensão que vê nessa rivalidade? Ela é insolúvel?
O acirramento só acaba quando acabarem as suas causas. Mas não vemos ninguém pensando em criar um novo eixo de diálogo. Assim como é falha a tese petista do “complô das elites”, destroçada pela dinâmica dos fatos, também são equivocadas as teses do tipo “destruir o PT” e assemelhadas. O fato é que as lideranças políticas deviam ter tido, e não tiveram, capacidade, maturidade e seriedade para acertar objetivos comuns e definir um caminho para o País.
Que papel imagina para Lula daqui por diante?
Imaginemos: vão prender o Lula. E depois, o que acontece? Qual o eixo que vai orientar a criação de caminhos que pacifiquem a sociedade? Não se pode ignorar o que acontece por baixo. Há camadas subalternas que se identificam com o líder petista e tendem a defendê-lo ao ver a polícia entrar em sua casa.
Entende que há nisso uma falha da Justiça?
Não temos nada contra a apuração de ilícitos, mas acho, sim, que há aí um processo seletivo. Não faltam outros episódios que mereceriam investigação e são deixados de lado, como alguns já conhecidos em São Paulo. Pelo que percebo dos dois lados, neste Estado, vamos ter um ano complicado. Do modo como estão as coisas, dependendo só da lógica da Justiça, não sei se as instituições chegam intactas ao fim do ano. / Gabriel Manzano
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