• Estamos numa armadilha, não mais de baixo crescimento, mas de recessão continuada, ou de estagnação
Há indicações de que a economia brasileira já atingiu, neste primeiro semestre, o "fundo do poço". A capacidade ociosa é enorme, mas não há nenhuma esperança de que venha uma forte recuperação cíclica, o que seria normal nas atuais circunstâncias, menos ainda que haja uma retomada do crescimento.
Após mais de dois anos de recessão, em condições normais seria de se esperar que a política monetária e fiscal pudessem injetar estímulos à demanda agregada para iniciar o ciclo de recuperação. Infelizmente, a economia brasileira está gravemente enferma e nada disto é possível. A inflação está muito acima da meta e corre o risco de tomar uma dinâmica perigosa. Temos uma trégua, mas não saímos ainda de uma grave crise de confiança, em função do descontrole das contas públicas, déficit nominal atingindo 10% do PIB e a dívida pública crescendo explosivamente.
Em outras palavras, com o regime de política macroeconômica vigente estamos numa armadilha, não mais de baixo crescimento, mas de recessão continuada ou, na melhor das hipóteses, de estagnação.
Não há espaço nem para política monetária nem fiscal serem acionadas. Ao contrário, na vigência das atuais convenções do mercado e, comportamento dela decorrente, precisamos elevar a taxa de juros e acelerar o ajuste fiscal, ambos recessivos, para melhorar as expectativas.
Portanto, para viabilizarmos uma recuperação cíclica e repensarmos a retomada do crescimento é preciso uma reforma do Regime de Política Macroeconômica atualmente vigente no país, totalmente anômalo, que privilegia taxas de juros do Banco Central na estratosfera e instabilidade na taxa de câmbio, com tendência persistente de apreciação. Esta dupla torna o custo médio do capital de duas a três vezes maior do que a taxa de retorno de qualquer empresa brasileira no setor não financeiro, tudo isto em um ambiente altamente inflacionário.
Nesta reforma do regime de política macroeconômica não precisamos inventar nada de novo, basta seguir as boas práticas vigentes no resto do mundo. Antes de mais nada precisamos de reformas estruturais para estancar a expansão automática dos gastos públicos, para eliminar o déficit público e inverter a trajetória explosiva de crescimento da dívida pública.
O governo Temer já propôs uma emenda constitucional pra fixar os gastos públicos em termos reais. Se a reforma da previdência tiver sucesso, tudo indica que o teto poderá ser respeitado. Neste caso, ao longo dos próximos anos podemos estabilizar o crescimento da dívida pública. Estas propostas de reforma são de longo prazo e tomarão tempo e seus efeitos sobre a situação fiscal dependerão muito do crescimento da economia.
Para termos uma ideia, se a economia brasileira crescer a uma taxa média de 2% ao ano nos próximos dez anos, a participação dos gastos do governo poderá ter uma redução de quase 20% e gerar um superávit primário da ordem de 2% do PIB. Mas aí, com as reformas do atual regime de política monetária abre-se espaço para redução substancial da taxa de juros, principal item na despesa do governo.
A reforma na política monetária deve contemplar mudanças nas regras operacionais do Banco Central para torná-las similares às dos demais países, eliminando-se as "jabuticabas". É fundamental que a autoridade monetária passe a fixar taxa de juros pré-fixadas, na ponta mais baixa, puxando toda curva de juros para baixo e alongando-a, e viabilizando o desenvolvimento de mercado privado de títulos de longo prazo. Neste caso, para quê o BNDES e Banco do Brasil?
Se o BC deixar de tabelar o juros na estratosfera nas operações mais curtas e de liquidez total (overnight) e fixar juros pré-fixados similares aos dos demais países, regras operacionais que gerem indicadores de liquidez, a política monetária ganhará enorme eficácia para controlar a inflação. Neste caso, o banco central não precisará recorrer à apreciação cambial para controlar a inflação. Podemos ter um verdadeiro regime de metas de inflação.
A definição do regime e da política cambial deverá sair do Banco Central e migrar para uma autoridade do Executivo, que definirá uma política cambial para que este alcance sua verdadeira função: equilibrar as transações correntes do país e promover o desenvolvimento econômico. A operacionalização deverá ficar no Banco Central, como é nos países desenvolvidos. A taxa de câmbio precisa ser não só competitiva, mas mais estável e previsível, desta forma o caminho para recuperação econômica estará aberto. O estímulo virá para que a taxa de investimento aumente em exportações de manufaturados, viabilizando a retomada do crescimento.
Também será preciso um novo sistema tributário com impostos mais transparentes e menos distorcivos. Ainda, uma reforma trabalhista simples, que flexibilize a CLT, como o que consta no documento "Uma Ponte para o Futuro", em que um acordo entre sindicato de trabalhadores e de empresários possa suspender a legislacão trabalhista.
A tênue recuperação esboçou-se na indústria de transformação por meio da recuperação das exportações, pois a taxa de câmbio no início deste ano estava competitiva. Entretanto, com a subsequente apreciação, na margem, o quantum de exportações já está cedendo, segundo as últimas informações.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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