- Folha de S. Paulo
Um raciocínio comum entre autores filopetistas bastante presente nos jornais desta quinta (20) assegura que o juiz Sergio Moro só mandou Eduardo Cunha para a cadeia como forma de vacinar-se contra a crítica de que suas decisões têm viés antipetista, o que tornaria mais fácil decretar em breve a prisão preventiva de Lula, seu real desígnio.
É uma hipótese interessante. Ela nos lança no terreno dos sistemas intencionais. Seres humanos e boa parte dos animais navegamos no mundo através de nossas intenções, isto é, dos desejos e das crenças que mantemos em relação às coisas. Quando tal relação é direta, diz-se que as intenções são de primeira ordem.
Esse, porém, é só o começo da história. Também temos desejos e crenças em relação a desejos e crenças, tanto os nossos próprios como os de outros agentes. Quando eu suponho que uma outra pessoa quer algo, manifesto uma intenção de segunda ordem. Fazê-lo estaria ao alcance apenas de humanos e de alguns animais de maior capacidade cognitiva.
E a coisa continua. Um exemplo de intenção de terceira ordem é a capacidade de querer que outra pessoa acredite que você quer algo. É nesse nível que estaria a imputação de que Moro só prendeu Cunha como preparação para prender Lula. Mas não existem limites para a sofisticação das intencionalidades. No quarto grau estaria, por exemplo, a capacidade de fazer outra pessoa acreditar que você quer que ela acredite que você acredita em algo. Pensar daqui em diante seria uma competência exclusivamente humana.
Para o filósofo Daniel Dennett, um dos principais proponentes da teoria dos sistemas intencionais, essa escalada no nível de abstração está na base da consciência. É claro que também podemos percorrer o caminho inverso e, num nível mais chão, perguntar se Moro, ao agir de modo a parecer imparcial, não acaba sendo efetivamente imparcial, que é no fundo o que se espera de um magistrado.
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