Não estão sendo fáceis as tratativas para o acordo de renegociação da dívida do Estado do Rio de Janeiro com a União, envolvendo as contragarantias do Tesouro Nacional para empréstimos bancários. E a dificuldade não reside em suposta má vontade da equipe econômica do governo de Michel Temer. Há um entrave que não pode ser relevado: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O art. 35 da LRF é claro: “É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”.
Por mais boa vontade que se queira ter com o Estado fluminense, não há como escapar da proibição legal. A LRF veda o refinanciamento de dívida para financiar direta ou indiretamente despesas correntes e a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo. Conforme apurou o Estado, a área jurídica do governo já alertou a equipe do presidente Michel Temer sobre as dificuldades legais encontradas no plano de renegociação. Há quem tenha cogitado apresentar o plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro ao Congresso Nacional, como forma de superar o obstáculo legal. No entanto, enquanto estiver vigente a LRF – que, não se deve esquecer, é uma lei complementar –, não se pode desrespeitá-la, seja qual for a instância de poder que pretenda trilhar caminhos alternativos.
O atual imbróglio jurídico com as finanças do Estado do Rio de Janeiro explicita ainda mais o equívoco de recentes decisões da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo o cumprimento de cláusulas contratuais entre a União e o Estado fluminense e impedindo que o governo federal bloqueasse R$ 374 milhões de contas do Estado do Rio, como estava previsto no caso de descumprimento dos acordos.
Não é preciso carregar nas tintas para reconhecer que as decisões da ministra Cármen Lúcia são de uma inaudita gravidade. Além de impedirem que um acordo juridicamente perfeito, como foi admitido pelo próprio Estado do Rio de Janeiro, produzisse seus legítimos efeitos – manobra por si só já espantosa, especialmente por ter sua origem na presidência do Supremo –, as decisões liminares da ministra Cármen Lúcia configuram-se como uma incitação ao descumprimento da LRF.
Tanto é assim que, logo após as decisões da presidente do STF, as duas partes sentaram-se para encontrar uma solução negociada e não estão vendo modos de chegar a um possível acordo sem desrespeitar a LRF. Ou seja, as decisões do STF desembocaram em evidente impasse jurídico, e tudo isso porque o Poder Judiciário, ao ser chamado a se pronunciar, optou por sair dos trilhos legais.
O caso do Estado do Rio de Janeiro ilustra com clareza os limites do próprio STF. Há quem pense que, uma vez que aos ministros da Suprema Corte é conferido o poder de dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição, eles poderiam tudo. Certamente, recai sobre eles a enorme responsabilidade de proferir a última decisão, que será depois irrecorrível. No entanto, tal circunstância de modo algum libera os ministros para resolver as questões como bem entenderem. Seu papel é fazer cumprir a lei.
Quando a decisão de um juiz, seja ele de qual instância for, desrespeita o ordenamento jurídico – transgressão que evidentemente se deu no caso das liminares do STF a respeito das finanças do Estado do Rio de Janeiro –, ela necessariamente provoca outros problemas jurídicos. Como lembrou no ano passado o ministro Teori Zavascki, referindo-se a outro caso, o “papel do juiz é o de resolver conflitos, e não criar conflitos”.
Mais do que provocar um novo descumprimento da LRF, o atual impasse nas negociações entre o Estado do Rio de Janeiro e a União deve levar o STF a corrigir humilde e rapidamente seu equívoco. Seria ato de enorme dignidade – e que só fortaleceria a autoridade da instituição – retificar os seus equívocos.
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