domingo, 22 de janeiro de 2017

Não há crise de balanço – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Quando a bolha imobiliária do Japão estourou e o preço de imóveis e terrenos e a cotação da Bolsa de Valores despencaram, as empresas japonesas passaram a apresentar balanço negativo: o valor de seus ativos ficou menor do que suas dívidas, dado que estas não caíram.

Foi queimada, também, parcela apreciável da riqueza dos consumidores.

A reação à enorme perda patrimonial do setor privado foi a queda do consumo e, principalmente, do investimento das empresas.

A tentativa de todos em aumentar suas poupanças para reduzir dívidas ou recompor riqueza resultou em situação crônica de carência de demanda. A inflação desabou e, mesmo trazendo os juros nominais para zero, não foi possível evitar a deflação.

O economista Richard Koo, que cunhou a expressão "recessão de balanço" no livro "O Santo Graal da Macroeconomia", notou adicionalmente que havia uma pitada de irracionalidade no comportamento conservador das empresas em adiar os investimentos para reduzir seu endividamento: os juros muito baixos garantiam a rentabilidade de diversos negócios mesmo considerando o baixo desempenho da economia.

Ainda que adicionasse valor à empresa, o investimento era adiado devido às práticas gerenciais e à forma como os gestores são avaliados, com prioridade para redução das dívidas. A economia ficou atolada em uma crise keynesiana típica, com deflação, juros nulos e baixo crescimento, situação que Keynes chamou de armadilha da liquidez.

No Brasil, nos anos de vigência da nova matriz econômica, houve excesso de endividamento, como apontado por Marcos Lisboa em sua coluna da Folhana semana passada, "A gerente repetiu o fracasso do general".

No entanto, a dificuldade de retomada do investimento por aqui nada tem de parecido com a crise de balanço do Japão, identificada por Koo. Por aqui temos ainda juros reais elevados, que estão assim por causa da inflação alta. A inflação agora está caindo e, portanto, os juros também.

Se houve por aqui alguma irracionalidade, certamente não foi das empresas, que agora cortam o investimento e recompõem seus balanços. Não há irracionalidade no corte de investimento da Petrobras, por exemplo.

Qualquer empresa petrolífera cuja dívida como fração da capacidade de geração de caixa passa de quatro corta investimentos, pois o custo de financiamento se torna muito elevado e a rentabilidade dos projetos fica negativa. O oposto do que ocorreu no Japão na crise de balanço.

A irracionalidade ocorreu (tema para o pessoal de administração investigar) quando o setor privado acreditou nos planos mirabolantes e megalomaníacos de Dilma e companhia e se expôs à crise.

Pergunta para o setor de construção civil: como acreditar que o Tesouro Nacional teria recursos para subsidiar a aquisição de unidades habitacionais para baixa renda de forma quase ilimitada e resolver o deficit habitacional, problema que nos aflige há pelo menos um século?

Como tenho escrito neste espaço, nossa depressão tem componentes estruturais —a crise fiscal e o sobreinvestimento em inúmeros setores— e cíclicos, as dificuldades de trazer a inflação para a meta em um contexto de elevada indexação e baixa credibilidade do BC.

No entanto, o elevadíssimo combustível monetário -taxa básica de juros ainda a 13% ao ano- sugere que há muito espaço para estimular a recuperação da demanda agregada.

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