- O Estado de S. Paulo
Sucesso até aqui pode se perder caso a operação não saiba se encaminhar para um desfecho
“O mais grave é que a corrupção disseminada não coloca em xeque apenas a legitimidade do regime democrático, o que, por si só, já é bastante grave, mas também a do sistema judicial.”
A frase acima é do juiz Sérgio Moro, em artigo seminal de 2004 em que discorre sobre a Operação Mãos Limpas, da Itália, e traça uma espécie de roteiro do que viria a ser, dez anos depois, a maior investigação de um escândalo de corrupção no Brasil.
Três anos após deflagrada, a Lava Jato está exatamente neste ponto que Moro apontou na congênere italiana: o sistema judicial não só está sendo posto em xeque na sua capacidade de processar em tempo hábil e de forma equânime tantos e tão graves casos de corrupção, mas começa a entrar em conflito interno entre as instâncias e seus principais agentes.
A última semana foi marcada pela exacerbação de uma queda de braço entre ministros do Supremo Tribunal Federal e a força-tarefa de Curitiba. Ela foi levada ao apogeu na quarta-feira, quando, diante da iminência de a Segunda Turma do STF conceder habeas corpus a José Dirceu, os procuradores de Curitiba se anteciparam e tentaram trucar a Corte oferecendo a terceira denúncia contra o petista.
O lance imediatamente seguinte parecia mostrar que o tiro havia saído pela culatra: o HC foi concedido assim mesmo, Dirceu foi libertado e Antonio Palocci, o próximo cacique petista na fila das delações premiadas, recuou na pretensão de colaborar.
Mas o movimento seguinte demonstrou que a divisão entre primeira e última instância não é linear: o relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, percebendo que estava encurralado numa nova maioria que se consolidou na turma encarregada de julgar a operação, levou ao plenário o julgamento do pedido de soltura de Palocci. E a semana terminou com a Lava Jato de novo robustecida.
Para além da análise de cada lance isolado no tabuleiro de xadrez, a atual crispação institucional entre juízes e procuradores, de um lado, e a classe política – e eventualmente ministros da alta Corte –, de outro, mostra que a Lava Jato vai chegando a um ponto delicado em que o sucesso até aqui pode se perder caso ela não saiba se encaminhar para um desfecho satisfatório.
Foi assim na própria Mãos Limpas, e Moro e os procuradores, entusiastas e estudiosos do caso italiano, sabem exatamente quais foram os pontos de inflexão.
São muitas as frentes abertas, com consequências para praticamente todos os políticos importantes, os principais partidos e grupos econômicos poderosos e de diversos setores. Isso facilita uma espécie de união dos desesperados para tentar medidas para “melar” as investigações. Aconteceu na Itália e está ocorrendo aqui.
Com tantas e tão graves revelações em três anos, 40 fases deflagradas e tantos processos abertos, a Lava Jato tem de demonstrar capacidade orgânica de fechar os casos, determinar as penas, confirmá-las ou reformá-las quando for o caso – e aqui vale deixar de analisar só os tribunais superiores e perguntar por que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região pisou tão violentamente no freio depois de um início pari passu com Curitiba – e efetivamente punir quem tiver de pagar por tantos e tão graves crimes.
A semana que trará o primeiro confronto direto entre Moro e o ex-presidente Lula, que emerge cada vez mais como o centro de comando de todo o esquema criminoso, deve marcar o início do epílogo da Lava Jato. Que o bom senso dê lugar às rusgas e que os agentes da Justiça entendam que seu papel é fazer cumprir a lei, e não se digladiar numa arena midiática, permitindo que a crise sistêmica engula também o Judiciário.
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