- O Estado de S. Paulo
Duas teses, entre outras, rondam as análises políticas. E ambas devem ser problematizadas.
Uma é da “morte do PT”, que surgiu com força depois do impeachment de Dilma e do fracasso eleitoral de 2016.
Outra é da recuperação do PT, que estaria em marcha plena e pronta para se consolidar nas eleições de 2018.
Os que acreditaram que o PT acabaria depois dos eventos de 2016 erraram feio, e o fizeram por não entender a lógica dos partidos de massa. O PT nunca esteve perto de morrer, simplesmente porque tem milhares de simpatizantes, muitos recursos de poder, muito acesso às mídias sociais e uma intelectualidade que, incapaz de criar opções, continua a bater bumbo e a dar referências ao partido. É uma máquina, que se tornou rica com o passar dos anos e que não desidratará de repente. É o único partido com raízes populares e que conseguiu estabelecer um contato direto com amplas parcelas da população, ou seja, a agir com os olhos para fora de si mesmo.
Uma organização deste tipo não desaparece só porque seus adversários queiram. A tendência, aliás, é que sobreviva e resista quanto mais seus adversários nela baterem. Até mesmo os erros que comete tendem a ser processados pelas engrenagens partidárias e viram trunfos de sobrevivência. Está aí, fácil de ser vista, o nó em pingo d’água que os petistas deram com as teses do “golpe contra Dilma”, da “perseguição a Lula” e do “roubo de direitos” com as reformas de Temer. Lula, aliás, é um especialista em operações deste tipo, graças a seu histrionismo peculiar, à facilidade com que fala e à habilidade em interagir com a população e a mídia. Deste modo, derrotas acachapantes se convertem em vitórias.
O PT está em recuperação do início do ano para cá. Pesquisas dizem isso, as faces petistas estão mais risonhas e confiantes, há mais vigor discursivo, o partido saiu das cordas. Dizem que isso se deve aos erros e ao estilo do governo Temer, que estaria fornecendo pista livre para o bólido petista.
Algo assim certamente existe, mas o fundamental não é isso. É o instinto de sobrevivência que está a comandar, empurrado pela força inercial da máquina e pelos espaços que se abrem na cena política nacional.
Num contexto de vazio de lideranças, quem tem um olho é rei. Lula tem dois olhos, está com um pé na prisão, mas permanece calando fundo no coração de muitos brasileiros. Ele é a bala de prata do PT, ao menos no momento atual, até porque o partido não se mostra capacitado para produzir novas lideranças e foi inteiramente abduzido pelo lulismo. Não consegue escapar do abraço de urso de Lula, que continua mandando no partido como sempre fez, sem que as correntes mais autônomas mostrem capacidade e disposição para confrontá-lo.
Ontem, dia 5/5, no 6% Congresso Nacional do PT, o ex-presidente mostrou combatividade e continuou a se valer da bazófia ao dizer que “não irá permitir” que continuem a mentir a seu respeito.
Lula é um fator paradoxal. Ao mesmo tempo em que opera como único porta-estandarte do partido, ajuda a impedir que o partido se modernize, avance, faça algum tipo de “autocrítica” e sacuda seus andrajos. Consegue funcionar assim até mesmo para além do círculo petista mais imediato.
As esquerdas que giram em torno do PT – PcdoB e PSol, sobretudo – são reféns de Lula, mas não por culpa dele. Aceitam sem contestação a preeminência do ex-presidente por não terem quadros e lideranças à altura, mas também por estarem convencidos de que podem pegar carona na popularidade de Lula. Permanecem satelizando o PT e, por extensão, Lula. Não têm autonomia para fazer algo diferente, nem ideias próprias. Limitam-se a repercutir as teses petistas, com um ou outro acréscimo ou correção.
O discurso petista hoje dominante prega que o partido deve “ir para a esquerda”, ou seja, radicalizar-se e organizar um efetivo programa anticapitalista. É de se perguntar se partido tem como fazer isso, depois de anos seguidos de mancomunação com o grande capital e com a corrupção. O radicalismo do PT tornou-se retórico, postiço, feito de palavras fortes e slogans fáceis, que empolgam ativistas mas não são digeridos pelo povo, a quem o partido adula com frases assistencialistas.
A máquina tem nessa esquizofrenia um de seus traços típicos.
O PT poderá até mesmo se sair bem nas eleições de 2018. Ninguém terá o direito de se surpreender se isso acontecer. Lula poderá voltar a governar o País, em que pese toda a “perseguição” que diz sofrer.
Mas êxitos eleitorais e eleições não são suficientes para fazer um partido. Se assim fosse, o PSDB e o PMDB seriam verdadeiras máquinas de guerra.
O PT não vai morrer, nem emagrecer dramaticamente. Mas é pouco provável que no curto e médio prazo consiga exibir a musculatura que fez dele, anos atrás, o desaguadouro dos sonhos de tanta gente.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp
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