terça-feira, 6 de junho de 2017

Para onde vai a Selic? | José Márcio Camargo*

- O Estado de S.Paulo

Os efeitos recessivo e deflacionário da atual crise política deverão dominar o efeito inflacionário

O Comitê de Política Monetária, do Banco Central (BC), decidiu na última quarta-feira reduzir a taxa básica de juros (Selic) em um ponto de porcentagem. No comunicado que se seguiu à reunião, os membros do comitê indicaram a intenção de desacelerar o ritmo de queda da Selic nas próximas reuniões. E enfatizaram os possíveis efeitos do aumento de incerteza em razão da crise política. Segundo o comunicado, caso a crise inviabilize a continuação do processo de reformas, os efeitos sobre a política monetária poderão ser bastante negativos.

A crise tem dois efeitos conflitantes sobre a taxa de inflação. De um lado, na medida em que aumenta a incerteza, tendem a diminuir os investimentos das empresas, o consumo das famílias, a taxa de crescimento da economia (que, no limite, pode, inclusive, retornar a uma trajetória negativa) e a manter a taxa de desemprego em níveis elevados. Nesse sentido, a crise é recessiva e deflacionária.

Por outro lado, o aumento da incerteza pode levar a uma forte desvalorização cambial e pressionar a taxa de inflação. Ou seja, a crise, apesar de ser recessiva, pode também ser inflacionária, o que forçaria o Banco Central a adotar uma política monetária mais conservadora, inclusive com aumento da taxa de juros, como ocorreu em outros episódios similares no passado recente. Qual dos dois efeitos é dominante?

Passado e presente. Antes de mais nada, é importante destacar que o passado recente é bastante diferente do presente. Primeiro, porque o governo brasileiro é hoje credor líquido em dólares. Enquanto no passado recente uma desvalorização cambial gerava aumento da dívida pública e, portanto, da probabilidade de default, hoje o efeito de uma desvalorização sobre o equilíbrio fiscal é praticamente nulo.

Segundo, a taxa de desemprego está em níveis recordes. Como a taxa de inflação de serviços depende, fundamentalmente, da taxa de desemprego, caso a crise persista, devemos esperar uma redução ainda mais forte desse componente da taxa de inflação.

Ao mesmo tempo, aumentam o custo e a dificuldade do repasse da desvalorização cambial para os preços, exceto para os preços dos produtos essenciais, como os alimentos. Ou seja, para que esse repasse gere uma aceleração inflacionária capaz de forçar o Banco Central a mudar a política monetária, a desvalorização cambial teria de ser bastante elevada.

Mas a própria desvalorização cambial depende do grau de credibilidade do Banco Central. Se o BC é crível, os agentes esperam que ele reagirá à desvalorização com aumento da taxa de juros, para que a inflação permaneça na meta. Como resultado disso, num segundo momento, a desvalorização seria revertida. Não é fácil especular contra um Banco Central como este.

E, em razão da persistência da atual diretoria em atingir a meta para a inflação em 2017 (que muitos consideravam impossível) e em não validar o excessivo otimismo dos investidores ao longo dos últimos 12 meses (inclusive na recente decisão quanto à Selic), não é razoável comparar a credibilidade da atual diretoria com o passado recente.

Diante deste cenário, acredito que os efeitos recessivo e deflacionário da atual crise política deverão dominar o efeito inflacionário, a menos que, como consequência da crise, o governo perca o controle sobre o processo legislativo, inviabilizando as reformas – o que parece pouco provável, pelo menos no momento.

Sendo assim, uma vez reduzida a incerteza dos primeiros momentos mais críticos, o Comitê de Política Monetária deverá manter a política de afrouxamento monetário intacta, o que significa uma taxa Selic em 8,5% ao ano no final de 2018, apropriando-se dos ganhos das decisões corretas dos últimos 12 meses.

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*Professor de Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista da Opus gestão de Recursos

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