- Valor Econômico
A economia parece que aprendeu a lidar com a crise política
Todo Temer tem o seu dia de Dilma. O do presidente foi quando ele decidiu tirar Osmar Serraglio e botar Torquato Jardim no Ministério da Justiça como quem troca um vaso na sala. Serraglio não gostou de ser o vaso, recusou o Ministério da Transparência, oferecido em troca, e fechou a porta para a volta do deputado Rocha Loures (PMDB-PR) para a Câmara e ao aconchego do foro especial. Resultado: o ex-deputado foi preso num sábado, o que é incomum mesmo para os padrões da Operação Lava-Jato, e pode ser um risco para o presidente da República.
Loures deveria ter sido transferido ontem da Polícia Federal para a penitenciária da Papuda, em Brasília, que ganhou celebridade nacional ao abrigar os presos do mensalão, um escândalo da pré-história da delinquência política no país depois da redemocratização. Pode parecer que Loures ganhou a sorte grande. Não é bem assim: a polícia e o Ministério Público Federal é que ganharam mais alguns dias para sussurrar nos ouvidos do ex-deputado e de seus familiares as delícias de uma delação premiada. Loures pode ser um risco para Temer. Ninguém sabe do que ele andou falando para o gravador de Joesley Batista. O coronel da PM João Baptista Lima Filho, outro próximo de Temer, em matéria de delação está mais para José Dirceu que para Antonio Palocci.
É complicado para um tribunal integrado por sete pessoas que não tiveram um único voto cassar uma chapa que teve 54 milhões de votos, sobretudo num processo com um percurso acidentado. Condenar Dilma Rousseff e absolver Michel Temer seria indecente. Absolver os dois é aprofundar a descrença nas instituições e reforçar o sentimento de que não há jeito para a impunidade. Mas a condenação de Dilma e Temer, dois anos e meio depois da posse, abrirá um precedente de consequências previsíveis.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tem magnitude política nem para cassar, nem para absolver a chapa Dilma-Temer, dois anos e meio após a posse, num processo aberto para "encher o saco", nas palavras de seu mentor, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), também abatido pelo concubinato com a delinquência política. O mais provável é que sejam declarados um ou outro voto e um dos ministros faça o pedido de vista. O PSDB de Aécio pode até entender que se trata de manobra protelatória mas é duvidoso que venha a sair em bloco do governo. Se sair, Temer pega os cargos e dá para quem quiser ficar.
Tem outro aspecto: na hipótese de uma decisão desfavorável, Temer vai recorrer. Recorrendo, o processo vai para as calendas. Temer é um presidente testado. Há 21 dias estava morto, sua renúncia chegou a ser dada como certa. Parecia que não havia como resistir ao turbilhão provocado pela denúncia de que acertara com Joesley Batista o pagamento de um mensalão de cala-boca para o ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba. Partidos aliados bem que tentaram encontrar uma alternativa. Não encontraram nenhuma.
Primeiro tentaram chegar a um nome de consenso: Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim, Tasso Jereissati, Henrique Meirelles. Não houve acordo. O caminho, nesses casos, é o impeachment, como aconteceu com Dilma, mas o processo seria longo e Temer tem no Congresso bem mais que o terço de votos de que Dilma precisava para escapar do impedimento. A outra hipótese aventada era a do TSE, que não resolve nada. Nem o PT acredita em diretas já. No curto prazo, o risco maior é o procurador Rodrigo Janot denunciar o presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que está previsto para a próxima semana.
Temer é um presidente testado, capaz de votar o que Dilma reeleita não conseguia no Congresso. Sem falar da emendas constitucionais e outras propostas votadas ano passado, Temer conseguiu em 2017 deixar a proposta de reforma da Previdência pronta para ser votada no plenário em menos de seis meses - a PEC é de dezembro de 2016. E só não foi votada no início de maio porque a Câmara resolveu fazer uma "greve branca" para arrancar mais algumas vantagens do Palácio do Planalto. No meio de caminho teve o áudio de Joesley Batista. Na semana passada o governo ainda conseguiu votar uma dezena de medidas provisórias e hoje pode ter sucesso na votação da reforma trabalhista. Esse é o avesso da crise política: até agora, ela não paralisou o país, o governo e o Congresso Nacional estão funcionando.
A equipe econômica, por exemplo, até o momento passou incólume pela crise política. Ao contrário, seu chefe, o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) esteve entre os nomes cotados para substituir Temer numa eleição indireta. E poderia muito bem ser a equipe econômica de quase todos os candidatos mais bem situados nas pesquisas para 2018. A agenda das reformas é consensual. Pode não ser feita agora, mas será em 2019, com o novo presidente. Mesmo que seja Lula - o PT não quer voltar para o gueto. A disputa por agenda só haverá se for eleito o candidato do Psol. Temer ainda tem condições de abrir a porta e aprovar uma reforma mínima da Previdência. Nada tão ambicioso quanto propôs, mas o suficiente para terminar o mandato.
O risco é a paralisação da Câmara e do Senado, o que fatalmente ocorrerá quando o STF pedir autorização para o Congresso a fim de processar Temer, conforme a solicitação de Janot. Essa será a batalha do fim do mundo. Prolongada, a menos que o país entre em parafuso, três dias de "circuit breaking" e Temer seja, enfim, convencido a renunciar. Mas este parece ser um cenário improvável numa economia que dá sinais de que está aprendendo a lidar com a crise política.
A dificuldade para Temer é que há consenso no país também pelo fim da delinquência política. Agora até o chefe da antiga oposição foi para o cadafalso, os partidos estão todos sob suspeita. No fim da ditadura militar, havia entre os civis ligados ao regime nomes respeitáveis como Marco Maciel, Jorge Bornhausen e Guilherme Palmeira, que não tiveram envolvimento com o porão e puderam sentar-se em volta da mesa e negociar com Tancredo Neves a transição democrática.
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