Por Bruno Villas Bôas |Valor Econômico
RIO - A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ontem no TRF-4, por três votos a zero, simboliza uma derrocada do projeto social democrata petista, que já havia ameaçado ruir com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016. A avaliação é do cientista político Claudio Gonçalves Couto, professor do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
"É um projeto que começa a ser construído no fim dos anos 70, a partir do novo sindicalismo, e que cresce ao longo de toda trajetória do PT, até a chegada ao governo federal, com suas políticas de redistribuição de renda. São projetos que sofrem derrota bruta com o impeachment e que vai a pique neste momento, com a condenação do ex-presidente", disse o cientista político.
A esquerda brasileira precisará agora passar por um processo de autocrítica e se reformular, revendo sua forma de fazer política e certas orientações ideológicas, como a presença excessiva estatal na economia, diz o analista. "Não sei quanto tempo isso vai levar e se vão ser bem ou mal sucedido, mas é um processo que vai ser necessário para a esquerda", acrescentou Couto.
Cientistas políticos consultados ontem avaliam que as intenções de voto tendem a ficar mais fragmentadas na corrida presidencial num possível cenário sem o ex-presidente Lula. Ciro Gomes (PDT) é citado com maior potencial para herdar votos do ex-presidente, seguido por Marina Silva (Rede Sustentabilidade). Mas a tendência seria de uma eleição mais disputada. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), por sua vez, tenderia a herdar poucos votos petistas.
Na última pesquisa Datafolha, no início de dezembro, Lula liderava com 34% das intenções de voto no primeiro turno, seguido do deputado estadual Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A simulação de primeiro turno colocou Marina Silva com 9% das intenções de voto e Ciro Gomes, com 6%. O governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) surgia com 6% das intenções de voto.
Para Couto, o PT não teria um nome competitivo para liderar uma candidatura presidencial no lugar do ex-presidente Lula. Isso inclui nomes que vem sendo citados no partido, como o do ex-governador da Bahia Jaques Wagner (PT) e do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.
Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da USP, discorda dessa avaliação. Para ela, a esquerda e o PT teria condições de se reorganizar e lançar uma candidatura com forças para chegar ao poder. "Carisma não é uma coisa você compra, empresta ou vende. É algo dele, do Lula. Mas Jaques Wagner não é um candidato desprezível, ele tem luz própria", avalia a cientista política.
Mais do que uma fragmentação dos votos entre demais candidatos, a condenação do ex-presidente tem potencial para "desorganizar" a corrida eleitoral, segundo avaliação de Renato Lessa, professor de Filosofia Política da PUC do Rio de Janeiro. Para ele, a saída de Lula do cenário eleitoral significaria o desaparecimento de uma alternativa de centro na política brasileira, capaz de articular com lideranças da direita e da esquerda.
"Lula representa o centro pela trajetória e os dois governos que ele fez. Ele organizou a negociação com todas as forças políticas, segmentos conservadores e de esquerda. Ele dialogava com movimentos sindicais, empresários industriais, do agronegócio. Não tem um candidato com esse perfil. Os conservadores não têm diálogo no campo popular. Os de esquerda não tem envergadura para negociar com o capital industrial", disse Lessa.
Na avaliação do professor da PUC-Rio, a outra força política capaz de aspirar ocupar ideologicamente o chamado centro democrático reformista seria o PSDB. O partido, contudo, teria pendido para uma pauta mais conservadora, na avaliação do cientista político. Ele cita o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) como exemplo do perfil conservador.
"Acho que tudo isso desorganiza o quadro eleitoral e o efeito é negativo na democracia brasileira. Lula expressa uma força política, cultural e social importante. Ele é passível de responder a processos, mas isso não elimina o fato de representar um segmento imenso da população. É um dilema muito grande que estamos vivendo", disse ele.
Para Maria Aparecida Aquino, a militância de esquerda deve torna-se mais ativa nos próximos meses, ainda que descarte atos de violência. Para ela, a condenação de Lula em segunda instância tem potencial para servir como fator articulador para atrair manifestantes. "Nos últimos tempos existe uma dificuldade, não só da esquerda, para reunir pessoas. Mas agora é uma situação nova", avaliou.
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