quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Quem deve receber as indenizações da Lava-Jato: Editorial/Valor Econômico

Causa desconforto a acionistas da Petrobras e aos contribuintes brasileiros de forma geral ver a estatal fechar um acordo pelo qual ela se compromete a pagar aproximadamente R$ 10 bilhões a investidores estrangeiros que compraram recibos de suas ações nos Estados Unidos, enquanto a própria companhia recebeu apenas uma fração desse valor como indenização pelas perdas sofridas por desvios descobertos pela operação Lava-Jato.

Até agora, a Petrobras foi ressarcida em R$ 1,4 bilhão dos R$ 6,2 bilhões que ela apontou, nos seus balanços, como o montante desviado para pagamento indireto de propina - a liquidação financeira cabia às empreiteiras.

Embora sempre haja espaço para divergência de opiniões, existe explicação para a diferença entre os valores e também para o fato de uma vítima ser obrigada a desembolsar bilhões de dólares para acertar suas contas com terceiros.

A resposta está no que se pretende indenizar.

O Ministério Público, a Polícia Federal, a justiça brasileira e os órgãos de controle da administração pública - Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas da União - querem indenizar a Petrobras pelos danos patrimoniais sofridos em decorrência do uso de dinheiro originalmente da companhia para pagamento de propina em contratos de obras e serviços, bem como pelo eventual sobrepreço que ela tenha pago pela atuação cartelizada e/ou corrupta de seus fornecedores.

Cabe notar que há dois desfalques de natureza distinta. O primeiro, da propina, foi estimado em R$ 6,2 bilhões pela Petrobras, a partir da aplicação linear do índice de 3% sobre contratos contaminados por corrupção.

Já o sobrepreço nunca foi oficialmente calculado pela estatal, tem a existência negada por alguns executivos delatores de empreiteiras, mas vez por outra é estimado pelo Ministério Público e pelo TCU em algumas dezenas de bilhões.

No acordo preliminar fechado nos Estados Unidos, que ainda precisa ser homologado pela justiça daquele país, o que se pretende indenizar é algo diferente: o dano sofrido pelos investidores que confiaram na veracidade das informações prestadas pela Petrobras em documentos oficiais divulgados periodicamente no sistema da Securities and Exchange Commission (SEC).

Essa perda é calculada a partir da queda de preço das ações da companhia quando a verdade sobre a fraqueza de seus controles internos foi conhecida pelo mercado.

Por hipótese, uma fraude de uma determinada companhia poderia ter valor financeiro de R$ 10 milhões, mas ter causado desvalorização de R$ 1 bilhão no preço de suas ações na bolsa, pela quebra de confiança. Em um processo envolvendo prestação de informações aos investidores nos EUA, é o segundo valor que serve de referência para a indenização, não o primeiro.

A existência de explicação para a diferença entre os valores não significa, contudo, que esteja tudo correndo perfeitamente bem com as indenizações que seriam devidas diante da descoberta de inúmeros casos de corrupção.

Com o argumento de que querem proteger a Petrobras - e na ânsia de garantir protagonismo no processo -, órgãos de controle têm atrasado a homologação ou a aceitação de acordos de leniência firmados pelos "concorrentes", o que implica demora excessiva na devolução de valores para a estatal de petróleo e outras entidades e empresas prejudicadas no passado.

Ao mesmo tempo, entidades que não reconhecem nenhuma perda - como é o caso do BNDES nos investimentos feitos na JBS - podem vir a receber cifras bilionárias sem que fique plenamente claro o motivo.

Fato é que os casos de corrupção que vêm sendo revelados são tão complexos, duraram tanto tempo e envolvem tantas instâncias de governo que é praticamente impossível identificar exatamente todos os agentes e todos os valores a serem ressarcidos.

A rigor, caberia indenização à própria população que acabou pagando mais impostos e tarifas por serviços públicos do que deveria, na ausência dos desvios, mantido tudo mais constante. Afinal, em última instância, o cidadão é o contratante que desembolsou mais do que o necessário por causa da existência de corrupção.

Mas diante da dificuldade de reparar danos individuais, resta ressarcir o Erário.

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