domingo, 18 de fevereiro de 2018

Vera Magalhães: O novo nunca vem

- O Estado de S. Paulo.

‘Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem’

O hino de Belchior, que embalou estudantes que se opunham à ditadura nos anos 1970, ecoa ainda atual em 2018. Mas a afirmação otimista e contestadora do final poderia ser trocada por um ponto de interrogação no Brasil de hoje: será que o tal novo vem?

Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema neste espaço. Cada eleição tem uma ideia-força a conduzi-la. Em 1989, era a volta do sufrágio direto, em 1994, o Plano Real. Em 1998 foi a primeira eleição com reeleição. Em 2002, Lula conseguiu vender esperança como mote, e embalou o peixe tão bem que, mesmo diante de mensalões e afins, fez de 2006, 2010 e 2014 eleições pautadas pela ideia de que havia promovido maior igualdade social – uma ideia-guia poderosa, mas que depois se mostrou falsa.

Neste ano, a renovação parece ser o desejo da maioria dos brasileiros, ainda que manifestada de diferentes maneiras. O problema é que é uma ideia que não casa com a realidade que se apresenta no tabuleiro da política. E não encontra alguém que a personifique.

Existe um fosso que separa um eleitorado que almeja novas práticas, novos partidos e novos políticos e um sistema que favorece a manutenção do status quo, combinado a uma ausência absoluta de lideranças capazes de promover uma mudança efetiva e com qualidade.

A falta de compreensão do que poderia ser essa mudança qualitativa na política levou, por exemplo, a episódios constrangedores como o promovido pelo apresentador de TV Luciano Huck.

Movido, segundo história contada em prosa e verso por seus amigos, por um desejo antigo de ser presidente da República e pela vaidade de quem pensa que se constrói uma plataforma política com os mesmos alicerces de um roteiro de programa de auditório, Huck mobilizou pessoas sérias em seu ridículo vaivém.

O espantoso é verificar que economistas, cientistas políticos, publicitários, empresários, políticos macacos velhos – entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, arrastado de roldão na pantomima do criador do Lata Velha – e expoentes dos tais novos grupos da sociedade civil viram em Huck a capacidade de, quem sabe, ser o tal novo que se procura como num sebastianismo às avessas.

A fragilidade de sua postulação era tamanha que ao primeiro apertão – da Globo, da revelação de seus negócios com o BNDES – ele já recolheu a bola novinha com a qual tinha reunido os amiguinhos para jogar bola debaixo do bloco e pegou o elevador para a casa dizendo, num muxoxo: “Não brinco mais”.

Huck e outros ensaios novidadeiros são abatidos por um estado de coisas que mescla, além da própria falta de substância e de resiliência dos neófitos, uma legislação que regulamenta os pleitos feita sob medida para privilegiar os grandes partidos, o estrangulamento de recursos financeiros, que atua na mesma lógica, e a escolha casada do presidente com a de governadores e do Congresso – o que cria um ímã que praticamente impele as siglas a formarem alianças para sobreviver.

Se de um lado o refrão de Belchior ecoa que o novo sempre vem – e isso seja um movimento genuíno, provocado pelo desalento com a política pós-Lava Jato e condizente com o que houve em vários outros países recentemente – o Brasil parece ainda amar o passado.

Ou, em outras palavras: o passado, no Brasil, ainda tem muitos meios, além de um caldo de cultura amplo descrito acima, para se fazer presente e adiar indefinidamente o futuro. Em muitos setores da vida nacional, a política entre eles, ainda somos os mesmos e continuaremos por muito tempo vivendo como nossos pais.

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