Por Estevão Taiar | Valor Econômico
SÃO PAULO - O dólar entre R$ 3,80 e R$ 4 estaria no patamar necessário para a indústria nacional ter uma margem de lucro semelhante à do exterior e impulsionar o crescimento do país. É o que diz o economista Nelson Marconi, um dos principais formuladores do programa de governo de Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência da República. Coordenador do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), ele defende que o Brasil adote uma política desenvolvimentista, mas faz questão de diferenciá-la da que foi implantada pela ex-presidente Dilma Rousseff. Com um discurso próximo da centro-esquerda, diz que "é preciso respeitar a eficiência do mercado", mas destaca a necessidade de uma reforma tributária "que acelere a distribuição de renda".
"A política macroeconômica precisa ser mais azeitada", afirma. O ponto chave dessa equação, segundo ele, são as contas públicas. Um ajuste fiscal permitiria a queda dos juros e a tão almejada desvalorização do câmbio. No curto prazo, esse ajuste fiscal seria feito principalmente "passando um pente fino" nas despesas do governo e revendo medidas como a desoneração da folha de pagamento. "Mas ainda não estimamos a economia que pode ser feita", admite. Em um segundo momento, a própria queda dos juros também levaria a um recuo dos gastos do governo. Benefícios de determinados setores do serviço público também estão na mira. Tudo isso, segundo ele, colocaria o câmbio no nível almejado. "Uma vez que ele chegue a essa faixa, é preciso mantê-lo lá, dando certa previsibilidade ao exportador e ao importador", afirma. O dólar entre R$ 3,80 e R$ 4 resultaria em alta de aproximadamente 1 ponto percentual da inflação, nos cálculos dele. Mas essa alta poderia ser combatida com a própria política fiscal contracionista e maior desindexação da economia à inflação passada, de acordo com ele.
Para Marconi, ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira e doutor em economia pela FGV, o principal erro de Dilma foi justamente tentar resolver "o binômio juros altos-câmbio valorizado" em um momento de política fiscal expansionista e em que os salários cresciam acima da produtividade - combinação propícia para o aumento da inflação e que gerou um "desequilíbrio macroeconômico". Mas também há outra as críticas à política econômica da ex-presidente, como o controle artificial de preços e a pouca preocupação com exportações de produtos manufaturados.
Em um eventual governo de Ciro, quatro setores industriais seriam donos de maior atenção, principalmente pelo impacto que teriam em outros segmentos e por sua capacidade de inovação tecnológica: óleo e gás, saúde, agronegócio e defesa. Ainda não está exatamente claro qual seria o apoio do governo a esses setores, mas ele não necessariamente seria feito por meio de subsídios. "E eles terão que cumprir metas, seja de produção, seja de exportação", afirma.
A política industrial foi outro dos erros de Dilma, segundo ele. A ex-presidente teria tentado turbinar o setor em um momento posterior ao desequilíbrio macroeconômico, causado justamente pelo combate à combinação de juros altos e câmbio valorizado. "Ela tentou usar a indústria para compensar esse desequilíbrio", diz Marconi. Alvo de críticas pela atuação durante os governos petistas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teria um papel importante em um eventual governo Ciro. "Não é porque você errou lá atrás que não vai mais fazer política pública. Se errou, corrija", diz.
Nesta fase inicial de elaboração do programa, o economista de 52 anos tem dois parceiros principais: Roberto Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard (EUA) e ex-ministro de Assuntos Estratégicos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma; e Mauro Benevides Filho, secretário de Fazenda do Ceará, Estado onde Ciro fez a sua carreira política, como deputado estadual, federal, prefeito de Fortaleza e governador.
O que o pré-candidato colocou em prática no período em que comandou o Ceará serve, em alguns aspectos, como exemplo do que ele pretende implantar no Brasil, segundo Marconi. "Em todos os anos em que ele foi governador, o Estado registrou superávit", diz. Contas públicas em dia, de acordo com o economista, são essenciais para aumentar a poupança do país e, consequentemente, os investimentos.
Apesar da intenção de colocar essas contas em ordem, ainda não há, dado o caráter inicial da elaboração do programa, um desenho mais claro a respeito de como implantar esse ajuste. Algumas propostas têm sido trazidas à mesa, como uma meta de poupança pública (que inclui as despesas com juros, mas preserva os investimentos), a própria manutenção da meta de superávit primário, o estabelecimento de um limite para a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e um teto dos gastos que combine inflação e crescimento da população, por exemplo. Quantas e quais dessas propostas podem ser efetivamente adotadas ainda está longe de ser definido. O que é consenso entre o grupo "é que esse teto dos gastos é inviável do jeito que está". "Mas uma coisa eu digo: teremos equilíbrio fiscal", garante.
Além do trio principal, empresários, acadêmicos e integrantes do mercado financeiro têm participado dos encontros com Ciro. Quando os grupos são grandes, o ex-ministro da Fazenda, conhecido por suas opiniões fortes, mais ouve do que fala. As reuniões, antes realizadas na casa do próprio Marconi, em São Paulo, estão mais frequentes e têm ganhando maior senso de urgência, à medida que a campanha se aproxima. Na semana passada, por exemplo, ele esteve duas vezes com Ciro em Brasília. A entrevista ao Valor, na noite de sexta-feira, teve que ser interrompida por mais de uma hora para que o conselheiro pudesse atender o pré-candidato.
Isso pode ser explicado em parte pelo programa que Ciro pretende implantar, distante em muitos aspectos do colocado em prática pelo presidente Michel Temer. A reforma da Previdência, por exemplo, é diferente daquela que Temer tentou aprovar. Ao contrário do atual modelo de repartição, eles defendem a implantação de um regime de capitalização, em que o aposentado recebe aquilo que foi poupado por ele durante os anos em que trabalhou, sem o pacto entre as gerações que caracteriza a repartição. "Isso traria equilíbrio atuarial", diz Marconi. "Sem esse equilíbrio, teremos que fazer uma reforma da Previdência atrás da outra conforme a população for envelhecendo, com todas as dificuldades políticas que isso traz." Ele reconhece, no entanto, que a troca de regimes não é simples. Além disso, defende que a parcela mais pobre da população tenha garantida uma renda para o período de aposentadoria, independentemente da contribuição feita ao longo da vida.
Outra reforma, a tributária, também vem sendo discutida pelo grupo. Um aumento da carga, pelo menos por enquanto, não está nos planos. O mote central das propostas é que a nova estrutura seja progressiva, além de onerar "menos a produção e mais as pessoas físicas". A tributação sobre lucros e dividendos desse último grupo, por exemplo, está no radar. Marconi também elogia o modelo proposto pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), com quem conversou recentemente. A ideia é que impostos como o Imposto sobre Circulação de Mercadores e Serviços (ICMS), que Appy considera "mal desenhado", percam espaço para um "bem desenhado" Imposto sobre Valor Agregada (IVA).
Assuntos como a privatização de empresas públicas ainda não foram discutidos em profundidade. "Mas há declarações do Ciro sobre o assunto", afirma. O ex-governador já disse publicamente ser contra as privatizações da Petrobras e da Eletrobras. Por outro lado, é consenso entre o grupo que o Banco Central deveria ter como objetivo explícito um mandato duplo, levando em conta tanto o combate à inflação quanto o nível de emprego.
No evento em que lançou sua pré-candidatura, na semana passada, Ciro também afirmou que iria "indicar como criaremos alguns milhões de empregos a curto prazo via construção civil". Mas, segundo Marconi, o grupo ainda não discutiu nenhum plano mais concreto.
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