domingo, 17 de junho de 2018

Vinicius Torres Freire: Uma aberração rara até para o Brasil

- Folha de S. Paulo

Drama que vem desde 2013 tem sintomas semelhantes aos dos piores momentos da República

A desgraça dos últimos cinco anos tem sintomas das piores crises da República. É uma síndrome político-econômica grave até para os padrões aberrantes do país.

Não se trata apenas de dizer que o triênio 2014-2016 foi o da segunda pior recessão desde 1900. Pelo menos desde os anos 1950, quando há dados mais confiáveis, a economia não regredia tanto em relação ao resto do mundo.

Há mais. Depois de chegarmos ao fundo do vale recessivo de momentos críticos, em 1965, 1983 ou 1992, nos biênios subsequentes o país voltaria a crescer (a taxas acumuladas de 5%, 9% e 8%, respectivamente). Em 2017-2018, o crescimento da renda (PIB) per capita não passará de 1,5%, se tanto.

Ainda que as recuperações dos outros colapsos fossem insustentáveis e restritas aos mais remediados ou elites, ofereceram alívio transitório, em especial político. Como atenuante, o país é hoje mais rico e conta com proteção social mais extensa e profunda, o que talvez limite o sofrimento social. Em comum com outros desastres, há crises política e econômica que se realimentam.

Nas trevas em torno de 1965, começavam mudanças constitucionais e reformas econômicas impostas por meio de repressão social, cassação, exílio, tortura e morte.

O fundo do vale de 1983 resultou em outra mudança constitucional, o desmanche da ditadura.

O ano de 1992 foi do fracasso da primeira eleição presidencial da República nova e do fundo do poço da pobreza nacional pelo menos desde 1970. Mesmo assim, a deposição de Fernando Collor teve aspectos otimistas, a reafirmação da democracia e perspectivas abertas por partidos ainda novos, PSDB e PT, que reuniam elites mais civilizadas.

Organizava-se então um novo sistema político, o que morreu nesta década, de podre e por desconexão social. Resiste apenas como zumbi.

Durante a paz relativa de 1995-2012, boa parte da ciência política brasileira dizia, quase se felicitando, que o sistema político era funcional.

Apesar da fragmentação crescente, aberrante, e da multiplicação de legendas negocistas, entre outras perversões, formavam-se maiorias parlamentares que garantiam governabilidade; os partidos ofereciam opções ideológicas vagamente nítidas para o eleitor comprar.

Mas, mesmo antes da explosão da Lava Jato (2014), era evidente o colapso da representação, vide 2013. A tal funcionalidade em parte era azeitada pelo saque de um Estado balofo e capturado por castas de interesse, nem sempre de modo criminoso.

Os partidos relevantes melhores, PSDB e PT, não apenas se desconectaram de suas bases no Brasil mais “moderno”. Apodreceram e envelheceram também.

No país novo, cresceu a relevância das bancadas BBB (bala, boi e Bíblia). Há multidões de precarizados ou trabalhadores de serviços sem representação organizada maior. De massas pobres do Brasil profundo ligadas de modo imediato a um líder personalista. De jovens de pequena classe média e daí para baixo com mais anos de escola. Há a periferia niilista e o avanço evangélico etc.: isto é só uma enumeração caótica.

Há também uma sociedade ou vozes dominantes que querem mais do Estado e menos para o Estado. É um beco sem saída, um conflito distributivo paralisante, agravado por um sistema político fechado em sua cripta e pela incapacidade social de furar esse bloqueio.

No impasse, cresce o apelo de soluções mágicas e desesperadas. A autoritária inclusive.

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