- Folha de S. Paulo
Como explicar o fato de que a Copa mobiliza parte não desprezível da população mundial?
Dois grupos de 11 adultos supostamente racionais, expondo-se a moderado risco físico e atuando segundo regras caprichosas, concebidas especialmente para tolher-lhes a eficiência, perseguem um objeto esférico com o objetivo anódino de fazê-lo cruzar uma estrutura retangular fincada no chão.
Por essa descrição, não dá para dizer que o futebol, do qual a Copa é o pináculo, seja a atividade mais lógica do mundo. Ainda assim, a competição mobilizará, ao longo dos próximos 30 dias, as atenções de parte não desprezível dos habitantes do planeta e movimentará bilhões de dólares. Como explicar isso?
Somos uma espécie com tara pelo jogo. Outros animais, notadamente mamíferos, também são capazes de correr atrás de bolas e simular confrontos —isto é, de brincar. É a forma que a natureza encontrou para adestrar física e mentalmente bichos com comportamento flexível.
Humanos, porém, temos uma peculiaridade. Conseguimos antecipar em nossas mentes as sensações prazerosas ou dolorosas, o que significa dizer que somos capazes de distinguir ficção de realidade. As implicações não são triviais.
Para início de conversa, a arte, o esporte e outras idiossincrasias humanas se tornam viáveis. Desenvolvemos a oportunidade de “viver” situações ficcionais, o que amplia as possibilidades de aprendizagem. É mais prático e seguro ganhar experiência como piloto em simuladores de voo do que espatifando aeronaves reais. Mais, sabendo que estamos protegidos, conseguimos extrair prazer de situações em princípio adversas, como a sensação de queda que vem na montanha-russa. Não apenas o futebol como até filmes de zumbi passam a fazer algum sentido.
O diabo é que somos também uma espécie essencialista. Não nos contentamos em jogar o jogo, queremos vencê-lo. Não nos satisfazemos em estar com nosso grupo, fazemos questão de provar que somos superiores a todos os outros. Surgem assim o tribalismo e o nacionalismo.
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