terça-feira, 3 de julho de 2018

Denise Neumann: Sem renda, emprego e crédito fica mais difícil

- Valor Econômico

Ganho salarial perdeu ímpeto, o que afeta a retomada

Muito antes da greve dos caminhoneiros e do aumento da tensão com a guerra comercial que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolveu travar com a China, Europa e outros parceiros comerciais, o ritmo da retomada ensaiada pela economia brasileira já era fraco.

Em fevereiro, a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) era de 2,9%, mas os dados de indústria, varejo e serviços dos primeiros meses levaram a uma primeira rodada de revisões para baixo, movimento acentuado com o cenário externo de maio-junho e do longo bloqueio das estradas, que derrubou de vez o pouco de otimismo que havia se instalado no Brasil.

Renda, emprego e crédito se comportaram abaixo do esperado e ajudam a explicar porque o país cresceu menos.

Nos primeiros meses de 2018 a renda real parou de crescer e os trabalhadores começaram, inclusive, a registrar queda do poder de compra. O rendimento médio real dos ocupados no trimestre encerrado em maio foi 0,6% inferior ao do trimestre encerrado em fevereiro. E o ganho em relação a um ano antes foi inferior a 1%, bem abaixo dos 3% de um ano antes. Ou seja, o ritmo de ganho dos salários - e consequentemente da massa salarial - perdeu ímpeto e hoje pode ajudar menos a retomada do que ajudou em 2017.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, lembra que a renda mais fraca também é explicada por um aspecto técnico. O IBGE reportou que um rendimento muito acima do padrão (R$ 1 milhão) entrou na pesquisa em 2016, o que influenciou o ganho do ano passado e, por efeito-base, reduz o rendimento médio este ano. Mas além dessa questão técnica, Montero pondera que a principal ajuda dada pela queda no nível de inflação já "passou"; o salário mínimo foi corrigido em 1,8%; e agora veio a cesta básica, cujo custo subiu de R$ 653 para R$ 705 de maio para junho - R$ 52 a mais para comprar os mesmos produtos.

Em um dos boxes do Relatório de inflação de junho, o Banco Central estudou o comportamento de diferentes componentes da demanda privada nos últimos ciclos de retração e recuperação do Brasil. Ele comparou os ciclos de 1999, 2001, 2003, 2009 e o atual. Em cada um deles, foi identificado o momento no qual a economia começou a sair do buraco e onde ela estava cinco trimestres após, segundo diferentes indicadores.

De acordo com a análise do BC, "o consumo das famílias em 2017 foi favorecido pelo processo de desinflação, pela geração de empregos - ambos contribuindo de modo significativo para o crescimento da massa salarial real -, pela reação (ainda que moderada) do crédito e, adicionalmente, pela liberação extraordinária de recursos do FGTS". Apesar desse conjunto de forças, "decorridos cinco trimestres do término da recessão, a recuperação do mercado de trabalho mostra-se relativamente lenta neste ciclo, registrando aumento de 1,9% no nível da população ocupada comparativamente a 4,9%, 7,7%, 3,9% e 4,1% nos ciclos de 1999, 2001, 2003 e 2009, na ordem."

Além do emprego, também a retomada do crédito está menos intensa no atual ciclo. O BC observa, primeiro, que as taxas de juros no crédito livre para pessoas físicas recuaram em "magnitudes semelhantes" às observadas nos períodos anteriores, mas o "crescimento dos saldos mostra-se menos dinâmico". Ele foi de apenas 2,9% ante 32%, 24% e 16%, respectivamente nos ciclos de 1999, 2003 e 2009. A exceção foi 2001, quando ele recuou 7,7%, sempre olhando cinco trimestres após o fim da retração.

Na avaliação do BC, em parte, a diferença de evolução do crédito em relação a outros ciclos pode ser atribuída a "inovações que impulsionaram as operações em outros períodos", como o consignado, em 2003, ou o alongamento de prazo do crédito a veículos em 2009."

Além disso, o estudo também aponta que o comportamento do crédito no ciclo atual resulta da necessidade de desalavancagem das famílias, após estímulos que levaram a um endividamento excessivo. O estoque de crédito livre das famílias atingiu 13,6% do PIB no 4º trimestre de 2014, oito trimestres antes do começo da recuperação. No mesmo período das crises anteriores, o patamar de estoque de crédito era muito menor (de 3% a 9,9%).

Francisco Pessoa, da LCA Consultores, chama atenção para a relação entre os dois indicadores. O crédito, lembra ele, poderia dar um impulso à economia, mas o emprego cresce pouco e ancorado em ocupações informais, o que não ajuda a destravar a concessão de financiamentos às pessoas físicas. Pessoa também reforça o fim do papel que a desaceleração da inflação joga na recuperação do poder de compra dos salários. "Você não tem mais o benefício dado pela desaceleração da inflação. Na média deste ano com o ano passado, o valor real do salário mínimo será menor", diz.

O box do BC traz um pequeno alento: o investimento. "O crescimento da Formação Bruta de Capital Fixo até o quinto trimestre desta retomada (4,4%), situa-se relativamente em linha com os ciclos de 1999 e 2001 (3,3% e 3,9%, respectivamente) e abaixo dos ciclos de 2003 (13,3%) e 2009 (30,7%)."

Entender porque a recuperação está mais fraca que em outros ciclos é importante para desenhar o país que o próximo presidente receberá e o que será preciso fazer para ajudar a gerar mais e melhores empregos. Sem eles será mais difícil criar um ambiente propício às reformas.

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