- O Globo
Uma vitória indiscutível nas eleições de domingo deu ao México um rumo claro. O novo presidente, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), não apenas ganhou por larga margem, como seu partido, Morena, conquistou a prefeitura da Cidade do México e a maior bancada nas duas casas do Congresso. O país fortaleceu a sua jovem democracia e fez um realinhamento partidário pelo voto.
Durante a campanha o discurso de AMLO foi ambíguo e com toques populistas e nacionalistas. Apesar da oposição de grande parte dos empresários, o mercado financeiro não mostrou especial estresse com a vitória que já era esperada. No seu primeiro pronunciamento, ele foi conciliatório do ponto de vista político e tranquilizador na economia.
O México tem uma história política difícil. Ocorrer uma alternância de poder, sem acusações de fraude, com os derrotados reconhecendo o resultado logo no primeiro momento, com o eleito falando em governar “para todos os mexicanos”, é uma vitória. O México viveu durante 70 anos o regime de partido único. Em 2000, passou a ter três partidos competitivos. Agora terá oito partidos com representação no Senado e nove na Câmara. A vitória de ontem alterou a composição das forças, mas mesmo com sua grande bancada o Morena terá que fazer coalizão para aprovar projetos.
AMLO prometeu atacar a corrupção, a violência e a pobreza. Tarefa superlativa. O México tem alto nível de corrupção, que se entranhou no aparelho de Estado e nas estatais, principalmente na Pemex, durante as décadas em que o PRI governou o país. A corrupção era o pressuposto para essa continuidade. Como López Obrador quer mais e não menos presença do Estado na economia, poderá neste ponto ter o oposto do que busca. A violência é endêmica e derivada do controle territorial dos cartéis do tráfico. A pobreza é outro dos flagelos do México.
A economia vem sofrendo nos últimos anos de baixo crescimento crônico, em torno de 2% ao ano. No ano passado cresceu 2,3%, resultado melhor do que o do Brasil, puxado pelas exportações que aumentaram 9,2% e pelo consumo, 3,27%. O problema também crônico é a dependência dos Estados Unidos. Para lá vão 79,8% das exportações mexicanas e tem sido assim por décadas. Para se ter uma ideia, o segundo parceiro é o Canadá, que compra 2,8%. O governo Trump e sua guerra comercial não pouparam o México nem o Canadá, parceiros do Nafta. Pelo contrário, eles foram atingidos pelas sobretaxas. Além disso, México e Estados Unidos vivem um momento de extrema tensão com a ameaça da construção do muro, as difíceis renegociações do Nafta e a política migratória. Trump escreveu no Twitter que está ansioso para encontrar o novo governante mexicano.
Para chegar à vitória, o novo presidente usou exatamente a estratégia de Lula: o discurso de esquerda, cartas ao mercado financeiro, e uma propaganda para atenuar sua fama de radical. Nem disfarçou estar copiando o Lulinha paz e amor. Era o AMLOve. Ele superou um obstáculo muito maior, porque seu partido foi fundado em 2014 e, mesmo assim, ele o levou a uma vitória maiúscula nos estados, Congresso e prefeituras.
Ele tem experiência como administrador. Foi bom prefeito da Cidade do México, que tem tamanho de país. Como gestor, foi fiscalmente responsável. Promete sê-lo ao administrar o país. Alguns empresários fizeram campanha contra ele e levantaram o fantasma de Hugo Chávez. O caso da Venezuela é específico. Nem a vitória esmagadora que teve nas urnas dará a López Obrador, ainda que quisesse, o poder de desmonte institucional que o chavismo empreendeu na Venezuela. O México sabe o que é ter um partido que se eterniza no poder, com eleições fraudadas. Não cometeria tal erro novamente.
Na economia, a situação fiscal é bem melhor do que a do Brasil. O país teve superávit primário de 2,99% no ano passado e deve ter 1% este ano. Passou por sete anos de déficit primário após a crise de 2008, e a dívida pública saltou de 42% para 52% do PIB. A deterioração no Brasil demorou a acontecer, mas foi muito mais forte. Esse quadro fiscal de recuperação ajudará o presidente López Obrador nos seus projetos.
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