Coletes amarelos, o desconhecido entra em cena
Dois eventos do fim de semana levaram a democracia para mais perto de um ataque de nervos.
Primeiro, o incêndio de Paris durante manifestação dos chamados “coletes amarelos” contra uma porção de coisas mas principalmente contra o presidente Emmanuel Macron.
Ressalve-se que o quebra-quebra não parece ser responsabilidade dos “coletes amarelos” e, sim, dos “casseurs”, a versão francesa dos hooligans, black blocs, vândalos enfim, cuja única agenda é quebrar tudo.
No domingo (2), veio a entrada no Parlamento da Andaluzia do Vox, grupo de ultradireita, nostálgico da ditadura (franquista) e xenófobo.
A Espanha, até aqui imune à infestação da extrema direita, recebeu a sua dose. Não é suficiente para arrancar os cabelos, primeiro por ter sido uma eleição apenas regional e, segundo, porque o Vox arrebanhou apenas 10% dos votos. Fica longe, portanto, dos 26% que os partidos ditos populistas, de esquerda mas principalmente de direita, colheram, em média, neste 2018 na Europa, conforme levantamento do Guardian.
Além disso, o avanço desse grupo é fácil de explicar: trata-se da exploração demagógica do fenômeno da imigração, o combustível que catapultou tantos outros grupos extremistas recentemente.
O que assusta o establishment europeu são os “coletes amarelos”, assim chamados porque usam essa vestimenta, obrigatória em todo veículo francês.
Está meio mundo se perguntando quem são eles e o que querem exatamente. Ao haver dúvidas sobre como rotulá-los, perde-se a referência tradicional (direita, esquerda, centro, ultradireita, ultraesquerda).
Le Monde fez um esforço para comparar suas reivindicações com as plataformas dos candidatos às presidenciais de 2017 e o que descobriu apenas confunde mais as coisas: dois terços de suas reivindicações são compatíveis com as propostas de Jean-Luc Mélenchon, definido como de esquerda radical (não acho que seja bem assim, mas o Monde sabe mais que eu); metade de suas propostas são, no entanto, compatíveis com a extrema direita, compartilhadas por seus candidatos, a notória Marine Le Pen e o menos conhecido Nicolas Dupont-Aignan.
Por extensão, essa identificação torna os “coletes amarelos” muito distantes de Emmanuel Macron.
É precipitado dizer que o presidente francês fracassou no seu propósito de criar um movimento (La Republique en Marche) que utilizasse, dizia, o melhor da esquerda e o melhor da direita? No primeiro ano, até que funcionou. Agora, no entanto, “instalou-se a dúvida”, escreve sempre no Monde Françoise Fressoz.
Completa: “Resultados [da gestão Macron], nada ou muito pouco. O crescimento permanece fraco, o desemprego forte”.
Para piorar, “o incontrolável Donald Trump fala e age bem mais firmemente que o presidente francês” (justo ele que pretendeu erigir-se no contraponto ao nacionalismo do americano).
Se se considerar que a eleição de 2017 fez pó dos partidos tradicionais e só deixou de pé o movimento de Macron, o abalo agora sofrido é mesmo para dar taquicardia na democracia. Até porque os coletes amarelos parecem ser “um eleitorado não representado em uma democracia representativa”, como escreve Judah Grunstein, editor-chefe da World Politics Review.
O desconhecido assusta mais do que zumbis redivivos como o Vox.
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