terça-feira, 5 de março de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

Insistirá o governo no descaminho de subordinar a política externa a uma ideologia, e não às realidades? Em nenhum outro lugar as consequências dessa reviravolta seriam mais nocivas que na nossa vizinhança. A crise da Venezuela se aprofunda. O caso remete à “política do barão”, pois mexe com nossos interesses mais imediatos, na América do Sul. É de louvar a prudência dos militares, mas é de temer a vocalização de alguns líderes políticos sobre nossa ação nesse drama. Sejamos claros: o governo Maduro é antidemocrático e insustentável. Não é de hoje que tenho me manifestado publicamente dessa maneira, em reuniões internacionais, acadêmicas e políticas. Contudo falar em permitir bases estrangeiras em território nacional ou em abrir caminho para aventuras guerreiras nas nossas vizinhanças não tem nada que ver com os interesses brasileiros de longo prazo. E em política externa é disso que se trata.

Apoiar a oposição venezuelana é uma coisa. Imaginar que se deva fazer o que foi feito na Líbia, pensando que forças externas podem reconstruir a democracia no país, é ignorar os fatos. Os desatinos verbais têm sido de tal ordem que resta o consolo de ver os militares recordarem que temos uma tradição de altanaria e soberania a respeitar, soberania nossa e dos demais países.

Bom mesmo seria ver o Itamaraty voltar a ser coerente com sua tradição: ressaltar e criticar o autoritarismo predominante na Venezuela, apoiar a oposição, dar acolhida às vítimas do arbítrio do atual governo e manter acesa a chama democrática. Abrir espaço para que terceiros países, mormente distantes da América do Sul, queiram resolver o drama político pela força não nos convém e fere nossas melhores tradições de atuação internacional.


* Fernando Henrique Cardoso sociólogo, foi presidente da República. “A vez da Venezuela”, O Estado de S. Paulo / O Globo, 3/3/2019.

Um comentário:

O Arco da Madrugada disse...

Resumindo Fernando nada de contribuir com os EUA ainda mais neste momento. Retomar a tradição democrática do Itamaraty é fundamental. Que o atual governo aprenda o sentido de soberania.