- O Estado de S.Paulo
Em todos os Estados é o Judiciário o Poder que mais gasta proporcionalmente
Foi Montesquieu, em seu Espírito das Leis, quem elaborou a teoria dos três poderes, dando corpo ao Estado Liberal. Desenvolvida a partir do pavor absolutista que John Locke combateu no final do século XVII, a separação dos poderes tem como princípio a limitação no exercício do poder governamental, que deve estar sempre sujeito a freios e contrapesos. Impede-se assim a concentração de poder em uma só pessoa e garante-se que valores caros à sociedade estejam protegidos. A essência está na atuação separada, independente e harmônica dos três poderes que formam o Estado (legislativo, executivo e judiciário), garantindo e protegendo o Estado Democrático de Direito.
Independência de poderes é, portanto, preceito da democracia moderna e também cláusula pétrea da Constituição de 1988 que no Art. 2º assegura que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário”. Mas foi o Pacto Federativo que determinou que cabe aos entes federados o financiamento das despesas desses poderes. No caso dos Estados é, portanto, responsabilidade do orçamento público local dar conta dos gastos do Legislativo e Judiciário estaduais e dos demais órgãos dotados de autonomia: Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública.
O conceito é claro e a motivação correta. Mas em tempos de excessos e descuidos com os gastos públicos e de tão grave desequilíbrio fiscal no nível subnacional, há que se colocar luz sobre essa questão e discutir freios e contrapesos hoje inexistentes. Há pouca transparência nas despesas dos poderes autônomos e nesse contexto se destaca um excelente estudo feito pelo Conselho de Secretários Estaduais de Planejamento (Coseplan), coordenado por Gustavo Nogueira, do Rio Grande do Norte. O trabalho mede a participação dos Poderes independentes nas receitas orçamentárias de Estados brasileiros em 2015 e 2016. Elaborado com a colaboração de 26 Estados (o Distrito Federal não participou por possuir regras específicas de receitas), a pesquisa joga luz sobre o custo dos poderes autônomos.
Analisa-se o comprometimento da Receita Ordinária Líquida (Rolt) com Poderes e Órgãos autônomos. Ou seja, calcula-se quanto das receitas totais disponíveis (receitas próprias + transferências da União – transferências compulsórias para municípios e do Fundeb) são direcionadas para o custeio e salários do Judiciário, do Legislativo, além do Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas. Os números impressionam quando se leva em conta que a Rolt deve dar conta de todas as demandas da população local como, por exemplo, educação, saúde, segurança pública, investimentos em infraestrutura, rede de proteção social, etc. Impressionam mais ainda quando se entende que os gastos com previdência não estão ali e ainda mais quando se percebe que são os Estados mais pobres que mais gastam com o custeio dos Poderes.
O Amapá ocupou o topo da lista em 2015. Lá nada menos do que 30,27% da Rolt estavam comprometidas com o financiamento dos poderes autônomos, posição perdida para o Mato Grosso no orçamento de 2016. Alagoas ainda ficou com o segundo posto, seguido por Maranhão, Rio Grande do Norte e Pará, com comprometimentos que superam 25% dos seus orçamentos. São Paulo, por outro lado, manteve o gasto com os outros poderes na faixa de 11% da sua Rolt, ocupando a última posição na lista nos dois anos. Os dados por região mostram que Norte, Nordeste e Centro Oeste comprometem, em média, 20% das suas receitas disponíveis com os poderes autônomos. Já Sul e Sudeste mostram números na ordem de 18% e 16%, respectivamente. Em todos os Estados e regiões é o Judiciário o Poder que mais gasta proporcionalmente, chegando a responder sozinho por 14,24% do orçamento do Estado do Maranhão ou 13,55% do Rio Grande do Norte.
Essa situação é fruto de décadas em que os gastos dos demais poderes nada responderam às quedas de receitas, crises ou desequilíbrios fiscais. Viveram descolados da realidade que se impôs ao País e à qual o Poder Executivo, bem ou mal, acabou por ter que enfrentar, inclusive para compensar aumentos de gastos dos demais.
Não que se queira enfraquecer a teoria com que Montesquieu nos iluminou há 3 séculos, mas há que se entender que fazemos todos parte de uma mesma Nação, cuja maior parte da população é carente e tem demandas urgentes que precisam ser atendidas. E assim como não precisamos de super heróis, também não há justificativa para que tenhamos super poderes descolados do Brasil.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.
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