terça-feira, 23 de abril de 2019

Pablo Ortellado*: Brasil é como o barco de Neurath

- Folha de S. Paulo

Crise no STF abala última viga institucional do país

A Lava Jato conseguiu reunir forças para sua ação expurgadora porque se ancorou firmemente numa aliança entre a imprensa e o Judiciário para combater a corrupção no Executivo e no Legislativo.

Não é comum que estruturas de poder se renovem completamente desde fora. Frequentemente são como o barco de Neurath, que precisa se renovar em alto mar, necessariamente utilizando parte das estruturas existentes como apoio.

É essa sustentação na imprensa e no Judiciário que está rapidamente se degradando, primeiro com a campanha populista contra a imprensa e agora com a crise no STF. Sem qualquer tipo de apoio, cada dia que passa nosso barco parece mais próximo de afundar.

Os dois elementos se encontram na famigerada investigação de Toffolie Moraes sobre as fake news.

Não está claro ainda o que querem os ministros com essa investigaçãoque, segundo muitos juristas, faz uma interpretação abusiva do regimento do STF, mistura as funções de acusador, de investigador e de juiz e impõe medidas punitivas que outros colegas de corte não hesitaram em chamar de censura.

Aparentemente a investigação tem como objeto uma espécie de orquestração entre procuradores e policiais, empresários, movimentos anticorrupção e imprensa, que teriam se coordenado para atacar ou desmoralizar o Supremo.

Fariam parte dessa orquestração o vazamento de dados fiscais sigilosos de ministros, depoimentos induzidos de investigados da Lava Jato e campanhas nas mídias sociais contra a corte. Talvez os ministros considerem que também fazem parte da orquestração a CPI da Lava Toga no Senado e a antecipação da aposentadoria dos ministros que foi embutida na reforma da Previdência.

Não sabemos quanto há de verdade nessas suspeitas e quanto há de coordenação nessas ações, mas a reação exorbitante e heterodoxa do presidente do STF está ajudando a remover mais um dos fundamentos do nosso barco de Neurath, já que a imprensa vinha havia muito tempo sendo sistematicamente atacada pela “nova política”.

Embora os procuradores e a Polícia Federal tenham sempre dado prioridade aos grandes veículos de comunicação, rotineiramente oferecendo a eles furos sobre as ações da Lava Jato, o movimento anticorrupção há anos ataca a grande imprensa, acusando-a de ser cúmplice da velha política e postulando em seu lugar um amplo ecossistema de sites hiperpartidários.

A crise no STF, combinada com a descrença na imprensa, generaliza de vez a nossa crise institucional. Já não há mais nenhuma instituição que esteja integralmente de pé.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia

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