- Valor Econômico
Há risco jurídico em mudança da pensão por morte
A proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) foi elaborada pelo atual governo com a preocupação de não ferir ou suprimir qualquer direito dos trabalhadores elencados na Constituição, preservando, ao mesmo tempo, o direito adquirido. Por isso, entre outras coisas, merece elogios. Mas não está correto o discurso oficial de que, após a reforma, não será pago benefício previdenciário inferior ao salário mínimo.
A mudança proposta nas regras da pensão por morte resultará em pagamento de benefício, pelo menos no âmbito do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), inferior ao salário mínimo para os dependentes do segurado que falecer. Quem mais sofrerá com esta medida serão os familiares dos trabalhadores de baixa renda.
Atualmente, a pensão por morte paga pelo Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) da União corresponde a 100% do benefício do segurado até o teto do RGPS mais 70% da parcela que superar o teto. A pensão por morte paga pelo RGPS corresponde a 100% do benefício respeitado o teto.
Na PEC 6/2019, o governo propôs que o pagamento da pensão por morte, tanto para o RGPS como para o RPPS, corresponda a 50% do benefício do segurado mais 10% para cada dependente, limitado a 100% do benefício. Pensões já concedidas terão seus valores mantidos. Dependentes de servidores que ingressaram antes da criação da previdência complementar terão o benefício calculado sem limitação ao teto do RGPS. Ao longo do tempo, as regras dos dois regimes vão convergir, o que é muito desejável.
Mas é preciso fazer algumas contas. Vamos a um caso específico. Um segurado do RGPS que tenha uma aposentadoria mensal de um salário mínimo ao morrer, depois de aprovada a reforma, deixará uma pensão de 60% do valor do seu benefício à sua esposa, supondo-se que ela seja sua única dependente. Neste caso, a viúva passará a receber 60% do valor do salário mínimo, que hoje está em R$ R$ 998. Assim, a viúva receberia uma pensão de R$ 598,80 por mês.
Se o segurado que faleceu tiver mais um dependente, digamos um filho menor de idade, por exemplo, a renda da família cairia para 70% do salário mínimo ou R$ 698,60. A realidade é que a renda desta família teria caído 30% de uma hora para outra, ou melhor dizendo, em razão da perda de um ente querido.
De acordo com o Boletim Estatístico da Previdência Social, de março deste ano, 18,171 milhões de pessoas recebiam aposentadorias e pensões do RGPS com valor igual ao salário mínimo, o que representava 60% do total dos benefícios. Isto mostra que a maioria dos trabalhadores se aposenta recebendo um salário mínimo e os seus dependentes serão diretamente afetados pela mudança na regra da pensão por morte, podendo a renda de suas famílias ser reduzida em até 40%, ficando o rendimento mensal abaixo do piso salarial.
O parágrafo segundo do artigo 201 da Constituição estabelece que nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. A interpretação deste artigo que predomina na área técnica do governo, no entanto, é que ele se refere unicamente ao valor da aposentadoria, e não à pensão por morte.
É muito provável que, se aprovada pelo Congresso Nacional, esta mudança será questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, ela representa um risco jurídico real. Isto porque a pensão por morte não pode ser igualada a um benefício assistencial, como é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago aos idosos em situação de miserabilidade ou ao deficiente físico. Ou ao benefício do programa Bolsa Família.
A razão disso é que o trabalhador aposentado pelo RGPS contribuiu pelo menos por 15 anos para o seu benefício. Depois da aprovação da reforma da Previdência, terá que contribuir por, no mínimo, 25 anos. No caso do BPC e do Bolsa Família, os benefícios são concedidos sem exigência de contribuição. Aparentemente, a pensão por morte prevista no regime previdenciário tem natureza diversa de um benefício assistencial, pois, para que seu dependente tenha acesso a ela, é necessário que o segurado contribua por um determinado período. Se este for o entendimento do Supremo, o menor valor da pensão por morte poderá ser o salário mínimo.
O ex-presidente Michel Temer tentou aprovar a mesma mudança na pensão por morte, por meio da PEC 287/2016 e não conseguiu. O substitutivo ao projeto de Temer, apresentado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA), excluiu as mudanças na pensão por morte, entre outras coisas. Esta, portanto, é uma segunda tentativa de aprovação da mesma medida.
A estimativa apresentada pelo governo para a economia com a mudança nas regras da pensão por morte é de R$ 137,8 bilhões nos próximos dez anos. Mas esta previsão não inclui o ganho que será obtido com a mudança nas pensões por morte dos servidores da União. A única projeção divulgada até agora pelo governo é a economia de R$ 13,8 bilhões nos próximos dez anos com a mudança na regra de pensão por morte para os servidores que ingressaram no RPPS antes do regime de previdência complementar.
A PEC 6/2019 propõe também uma medida complementar à mudança na regra da pensão por morte. Atualmente, é permitido acumular diversos tipos de benefícios (aposentadoria própria com a pensão do cônjuge, por exemplo) e de diferentes regimes (RPPS e RGPS). A proposta do governo é que a pessoa opte pelo benefício de maior valor e possa receber um percentual dos demais, limitados a dois salários mínimos para cada benefício adicional. É importante observar que, no caso do RGPS, mais de 80% dos pensionistas recebem menos que dois salários mínimos, de acordo com dados da Secretaria de Previdência.
Parece possível e razoável aprovar as mudanças nas regras de pensão por morte e de acúmulo de benefício, desde que seja preservado também o valor do salário mínimo como piso de todos os benefícios previdenciários.
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