- O Globo
Na semana passada, a reforma da Previdência foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ainda que sem brilho (a proposta demorou oito semanas para passar, enquanto ade Temer passou em apena suma), foi uma vitória importante, mas ofuscada pela série de brigas em que o governo se meteu.
Ao publicar um vídeo em que Olavo de Carvalho diz, entre outros impropérios, que “os milicos só fizeram cagada”, Bolsonaro comprou briga com os militares. O vídeo foi apagado, e o presidente soltou nota afirmando que as declarações do guru “não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento dos objetivos” do governo, mas o assunto não está superado.
No mesmo dia em que o governo mostrou com unicidades e atingimentos como é culto, o ministro Osmar Terra anunciou um corte de 98% note topara projetos culturais. Não explicou qual seu objetivo nem como a medida contribuirá para seu “atingimento”. Comprou briga com artistas e com agente de cultura.
Na quarta-feira, soube-se que quem publicou o tal vídeo do guru foi Carlos Bolsonaro, e que isso redundou em uma briga com o pai. Magoado, Carluxo parou de atender os telefonemas do presidente e sequestrou sua senha, impedindo-o de soltar tuítes. Jair Bolsonaro chegou a cancelar um café da manhã com a imprensa, mas voltou atrás.
No encontro, Bolsonaro afirmou que “o Brasil não pode ser um país de turismo gay: temos famílias” (é preciso avisar ao presidente que gays também têm famílias). Concluiu dizendo que estamos de braços abertos para o turismo sexual (desde que heterossexual). Comprou briga com a comunidade LGBT, suas famílias e todos os brasileiros razoáveis.
No mesmo encontro, o presidente afirmou que se a reforma da Previdência ficar abaixo de R $800 bilhões ,“o Brasil ficará em situação parecida com a da Argentina ”. Ao dar a senha para que os deputados sangrem a reforma—o de legado Waldir, líder do partido do presidente, já disse que vai apoiar três (!) emendas que desidratam a proposta—comprou briga coma equipe econômica.
Em seguida, descobriu-se que Bolsonaro vetou um comercial do Banco do Brasil e mandou demitir seu diretor de marketing: a presença de negros, pessoas tatuadas e uma transexual ofendeu o presidente, que decidiu que a publicidade das estatais agora deve ser controlada pela Secom. Comprou briga com Deus e o mundo.
O ministro Santos Cruz avisou que a medida é ilegal (Carluxo, claro, já começou a atacá-lo), mas Bolsonaro insiste, porque acha que “a massa quero respeito à família ”: não explicou por que acha que é seu papel ser fiscal de costumes nem o que há de desrespeitoso no comercial que censurou. (Bolsonaro tampouco se dá conta de que comete abuso de poder, o que, pela Lei do Impeachment, pode até ser considerado crime de responsabilidade: se algum dia o Brasil tiver uma oposição, talvez venha a lhe agradecer pelo passo em falso.)
Na sexta, Bolsonaro anunciou que o governo deve “descentralizar” recursos para áreas de humanas, como filosofia e sociologia. Considerando-se que o único contato do presidente com filosofia é Olavo de Carvalho, até dá para entender — mas não para concordar, e ele comprou briga com a academia inteira, de humanas ou não.
O que é mais marcante nas ações do governo é que elas são contra alguma coisa, raramente a favor. O governo hostiliza, censura, asfixia, agride. Seus integrantes se maldizem, se acusam, se desautorizam mutuamente. Mesmo os melhores projetos, como a reforma da Previdência e o pacote anticrime são
contra: o governo quer cortar o déficit, mas não sabe o que fazer com o dinheiro que vai sobrar; quer tornar as punições mais duras, mas não aposta na prevenção à violência.
Quem não tem projeto de país nem de governo não sabe a favor do que lutar: luta contra tudo e contra todos, e principalmente contra si mesmo. Não admira que a reforma da Previdência ande tão devagar.
*Ricardo Rangel é empresário
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