- O Globo
Lei de abuso ficará mais equilibrada que a apresentada, mas governo terá que negociar muito para preservar seus vetos
É um bom sinal o anúncio do presidente Bolsonaro de que apôs 19 vetos a 36 pontos da lei de abuso de autoridade aprovada pelo Congresso. Desta vez Bolsonaro agiu como raramente faz, pensando no país, de maneira mais ampla, como presidente da República.
Dentre os vetos, Bolsonaro rejeitou trechos que tratavam da restrição ao uso de algemas, o que parece ser consensual, prisões em desconformidade com a lei, o que já está previsto no Código Penal, de constrangimento a presos e o que pune criminalmente quem desrespeitar prerrogativas de advogados.
Há vetos também a dispositivos sobre perda do cargo como punição, obtenção de prova de forma ilegal, indução a pessoa para praticar infração penal com o fim de capturá-la, iniciar investigação sem justa causa e negar ao interessado acesso aos autos de investigação.
Todos esses pontos foram destacados pelo “centrão” de Bolsonaro: a Advocacia-Geral da União (AGU), a Corregedoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Especialmente os capítulos com definição muito ampla do que sejam ilegalidades ou crimes, que colocariam em risco decisões e poderiam paralisar as investigações.
Mas parte do Congresso não está gostando, e tem força e vontade para derrubar alguns vetos. Acredito que, no final, a lei ficará mais equilibrada do que a apresentada, mas o governo vai ter que negociar muito para preservar seus vetos.
O Congresso também ficará em situação delicada, pois a percepção de que a nova lei limita o combate à corrupção trabalha a favor do ministro Moro, o mais bem avaliado do governo.
A criminalização que dominava o texto aprovado no Congresso constrange a capacidade de interpretar as leis, e deixaria temerosos investigadores, juízes, promotores e procuradores, com receio de retaliação. Além do mais, praticamente todos os itens da lei de abuso de autoridade aprovada agora na Câmara já estão no Código Penal ou na lei de abuso de autoridade existente, mas não como crimes.
O artigo 9º prevê como crime a decretação de prisão em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. O parágrafo coloca que é crime também indeferir habeas corpus “quando manifestamente cabível”. O presidente Bolsonaro acatou a análise do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que considerou que o artigo limita o exercício da função jurisdicional, pois não traz balizas para o que se poderá considerar desconformidade com as hipóteses legais.
A nova lei de abuso de autoridade ia na mesma direção no artigo 13, inciso III, que diz que é crime “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiros”. Essa regra tem um objetivo claro, dificultar a utilização da delação premiada.
O veto ao artigo 26, que classifica como crime “induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei”, criminaliza o flagrante preparado, na visão de Moro acatada por Bolsonaro.
O ministro também sugeriu o veto ao artigo 30, que prevê até quatro anos de prisão para quem abrir uma investigação sem o devido fundamento, ou seja, “proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. Exemplo de medida que já existe no Código Penal.
A redação do artigo permite também decisões subjetivas, pois “sem justa causa fundamentada” é um conceito vago e indeterminado. O artigo 34, que determina detenção de até seis meses para autoridade judicial que “deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”, foi vetado por criar uma responsabilidade extremamente ampla ao agente público que é impossível de ser cumprida na prática.
O ministro Sergio Moro aplaudiu a decisão do presidente, dizendo que a nova lei de abuso de autoridade, da maneira que ficou, “preserva a independência e a autonomia dos agentes da lei. Doutro lado foram mantidos os artigos que, com redação clara, coíbem abusos. Muito equilíbrio e respeito à sociedade e ao Parlamento.”
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