Mais fogo na cena global – Editorial | O Estado de S. Paulo
O ataque incendiário a uma refinaria saudita, seguido de um salto do preço do petróleo, é mais um componente, especialmente inquietante, de um cenário carregado de riscos geopolíticos, tensões comerciais, ameaças protecionistas, recuo nas trocas, perda de vigor de grandes economias e focos de insegurança financeira.
A alta de preços baterá no Brasil se a crise do petróleo se prolongar e os aumentos forem repassados sem demora ao mercado interno. Será de novo testada, nesse caso, a capacidade da Petrobrás de administrar custos e preços com prudência e sem distorção política. Ou, na melhor hipótese, o mercado internacional logo se acomodará e a nova ameaça será superada. Mas o quadro geral continuará complicado e sombrio, com muitas bombas perto de explodir. Dirigentes e técnicos do Banco Central (BC) têm apontado os perigos. Quem mais, em Brasília, percebe o conjunto de riscos?
Com vendas em queda para vários grandes mercados, como Ásia, União Europeia e Mercosul, o Brasil já contabiliza perdas comerciais importantes, num ambiente de baixo crescimento econômico, demanda fraca e queda de preços de commodities importantes, como a soja.
De janeiro a agosto a exportação de bens proporcionou receita de US$ 148,85 bilhões, 5,2% menor que a de um ano antes pela média dos dias úteis. As vendas para os Estados Unidos, no valor de US$ 19,70 bilhões, com aumento de 10,9%, foram a exceção mais notável, mas também a economia americana mostra enfraquecimento.
Na União Europeia, o crescimento econômico desacelerou de 0,5% no primeiro trimestre para 0,2% no segundo. Na zona do euro, de 0,4% para 0,2%. Nas sete maiores economias capitalistas o recuo foi de 0,6% para 0,4%. Dois países desse grupo apresentaram desempenho negativo. Na Alemanha, o ritmo passou de 0,1% nos primeiros três meses para -0,1% no período seguinte. No Reino Unido, de 0,5% para -0,2%. Os Estados Unidos mantiveram o maior dinamismo nesse grupo, mas com recuo de 0,8% para 0,5%.
Novos estímulos monetários foram a primeira reação do Banco Central Europeu (BCE), na semana passada, a novos sinais de enfraquecimento econômico do bloco. A taxa de refinanciamento ficou inalterada em zero por cento, mas os juros para depósitos bancários na instituição, já negativos, passaram de -0,45% para -0,5%, aumentando o incentivo para os bancos manterem o dinheiro nas operações de mercado. Além disso, o presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou o reinício das compras mensais de títulos para lançar recursos no setor privado.
Mas a política monetária, já muito frouxa, será insuficiente para animar a economia na zona do euro, disse Draghi ao apresentar as novas decisões. Pela primeira vez em anos, o presidente do BCE conclamou os governos a usar estímulos fiscais, isto é, a afrouxar a execução orçamentária, deixando no mercado recursos para animar os negócios.
O apelo foi dirigido aos governos “com espaço fiscal”, capazes de suportar algum relaxamento nas contas. A mensagem foi repetida nesta segunda-feira, numa palestra, pelo economista-chefe do Banco Central Europeu, Philip Lane.
Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciará amanhã uma nova decisão sobre os juros. Um novo corte será bem recebido pelos mercados. O presidente Donald Trump tem pressionado publicamente por um maior afrouxamento monetário, embora o Fed seja legalmente independente do Executivo.
Também no Brasil o BC deverá informar na quarta-feira, no começo da noite, como ficarão os juros básicos nos 45 dias seguintes. No mercado, a previsão dominante é de um corte de 0,5 ponto de porcentagem.
Se a nova redução se confirmar, será adicionado um estímulo à reanimação da economia, atualmente muito fraca. Incentivos fiscais estão fora da pauta do governo, pelo menos oficialmente, por causa das más condições das contas públicas. As principais defesas contra choques externos continuam sendo o superávit comercial, embora declinante, e reservas em torno de US$ 380 bilhões. Será bom preservar esse colchão tanto quanto possível.
Corrida acadêmica – Editorial | Folha de S. Paulo
Apesar de maior presença em ranking, universidades do país seguem longe da elite
A nova edição da mais reputada classificação global de universidades trouxe resultado pouco animador para o Brasil. O país tem 46 instituições entre as 1.396 avaliadas pelo Times Higher Education, 11 a mais que no ano passado.
Mas o acréscimo não foi acompanhado de progresso qualitativo das mais destacadas organizações brasileiras. A USP, novamente a melhor latino-americana, continua, como no ano passado, superada por ao menos 250 universidades. A Unicamp, a segunda entre as brasileiras, piorou na classificação.
A despeito do peso que se dê aos diferentes aspectos da missão universitária —o THE faz a sua própria ponderação entre 13 indicadores—, parece fora de discussão que a qualidade e a escala de estabelecimentos de ponta estão associadas ao grau e ao potencial de desenvolvimento nacional.
Essas universidades irradiam parâmetros de formação de profissionais de alto nível para o conjunto das escolas superiores, lideram a pesquisa avançada, conectam-se às redes globais de conhecimento, potencializam a inovação empresarial e projetam uma boa imagem de seu país-sede no exterior.
Se o Brasil quiser participar para valer dessa corrida pelos poucos lugares ao sol na elite acadêmica mundial, terá de enfrentar reformas que desbastem resistências encrustadas sobretudo no corporativismo do sistema público.
É preciso distinguir as vocações das organizações estatais. Grande parte delas, voltada à formação profissional, poderia atuar com estruturas menos dispendiosas.
A expansão do atendimento a essa demanda deveria ser reservada ao setor privado, cabendo ao governo zelar pela qualidade, financiar bolsas aos mais pobres e estimular o crédito estudantil.
As poucas universidades dignas do nome —porque cumprem com excelência o ciclo de ensino e pesquisa— precisam ganhar meios para se financiarem cada vez mais na sociedade e menos no Estado.
O incentivo às doações de pessoas físicas e jurídicas e a cobrança de mensalidades daqueles que têm condições de pagar são temas a entrar na ordem do dia.
Não faz sentido, sob penúria orçamentária duradoura e necessidade de reduzir desigualdades, o contribuinte continuar pagando pela formação dos mais ricos. Fundos públicos nessa área deveriam focalizar mais pesquisa e inovação.
Por fim, passa da hora de atacar o compadrio e a complacência com a improdutividade que ainda grassam nas universidades públicas. A estabilidade acadêmica precisa deixar de ser um prêmio obtido logo no início da carreira docente para tornar-se fruto de um trabalho mais longo de ensino, pesquisa e publicação de resultados.
Barrar retrocesso eleitoral depende do Senado – Editorial | O Globo
Projeto aprovado na surdina pela Câmara vai em sentido contrário ao da transparência dos partidos
Está nas mãos dos senadores a responsabilidade de barrar uma grande patranha engendrada na Câmara para o uso sem controle do dinheiro público em eleições, o sonho de todo político que não se preocupa em defender o contribuinte. Ao contrário.
Isso acontece ao mesmo tempo em que o Congresso pressiona o governo para que o Fundo Partidário, a ser destinado à campanha das eleições municipais do ano que vem, praticamente dobre de R $1,87 bilhão par a R $3,7 bilhões, oque implicará a retirada de recursos de outras áreas certamente mais importantes do ponto de vista do cidadão.
Enquanto declarações e atitudes destrambelhadas do presidente Bolsonaro e de alguns ministros chamavam a atenção do país e do mundo, transcorria na Câmara, na surdina, o desmonte de regras eleitorais. Uma antirreforma.
A manobra decisiva, nesta primeira parte da operação, foi a apresentação de uma “subemenda substitutiva global”, do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), pouco antes da votação.
O projeto, que tem votação marcada para hoje no Senado, traz dispositivos inaceitáveis.
Como os políticos poderem usar dinheiro público do Fundo Partidário no pagamento de advogados. Dá-se o inconcebível: o político denunciado por desvios de dinheiro do Erário terá a defesa sustentada pelo mesmo contribuinte o qual lesou.
Há outros absurdos neste campo de despesas liberadas para serem feitas com recursos do fundo —construção de imóvel pela legenda, compra de passagens aéreas até para pessoas não filiadas ao partido, pagamento de multas e assim por diante.
Para demonstrar que, neste universo, nada acontece por acaso eque tem uma lógica a manobra de flexibilização dos controle das finanças eleitorais, o projeto aprovado na Câmara torna impossível o acompanhamento da prestação de contas dos partidos.
A Câmara aprovou que os partidos podem apresentar sua contabilidade por qualquer sistema. O objetivo é acabar com o mínimo de padronização e transparência que, segundo documento da Transparência Brasil, assinado por outros organismos da sociedade, começou a ser implementado pela Justiça Eleitoral, em 2017, por meio do Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA).
Não será mais possível, portanto, auditar as prestações de contas das legendas. Sequer os números de um mesmo partido poderão ser comparados entre si. Chega-se à total falta de transparência nas finanças da política.
Há vários outros aspectos reprováveis neste projeto, sempre nesta mesma linha.
O Senado precisa rejeitá-lo, sem aceitar o argumento de que é necessário aprová-lo no máximo um ano antes da próxima eleição (4 de outubro), para que vigore no pleito.
Nada justifica apressa, pois não existem alterações das quais dependa o pleito. E as propostas precisam ser discutidas amplamente, agora às claras.
Número de homicídios começa a diminuir – Editorial | Valor
Tendência continua no governo de Bolsonaro, com queda de 21,2% nos números de assassinatos no primeiro quadrimestre do ano
Pela primeira vez em três anos, em 2018, o número de assassinatos caiu no Brasil, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O Fórum contabilizou a ocorrência de 57,3 mil mortes violentas intencionais no ano passado, ante o recorde de 64 mil de 2017. Mas o índice de 27,5 mortes por 100 mil habitantes, 10,8% menor do que o de 30,8 de 2017, ainda é extremamente elevado. O índice apenas voltou ao nível do início da década, quando entrou em franca escalada.
Os números do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública devem manter o Brasil entre os dez países mais violentos do mundo. A taxa de homicídios no país é quatro vezes e meia superior à média global de 6,1 por 100 mil pessoas, calculada pelas Nações Unidas em 2017, quando foram registrados 464 mil assassinatos em todo o mundo. Se mata mais no Brasil do que em áreas conflagradas, como o Iraque, com taxa de 15,5. Na América do Sul, o Brasil só fica atrás da Venezuela, na dianteira com 56,8 homicídios.
Alguns tipos de crimes não dão sinais de trégua. Aumentou 19,6% a taxa de mortes por intervenção policial, com novo recorde, de 6.220 vítimas. A cada 100 assassinatos no país, 11 são de autoria da polícia e visam principalmente homens (99,3%), negros (75,4%) e jovens de 15 a 29 anos (77,9%). Se os policiais mataram mais em 2018, por outro lado, morreram menos. O número de policiais assassinados em serviço diminuiu 8% e fez 87 vítimas, número inferior ao de 256 dos mortos fora de serviço e dos 104 que se suicidaram. O aumento de 4% do feminicídio é outro aspecto negativo do quadro, e fez 1,2 mil vítimas, sendo a maioria (61%) negra. Em 88,8% dos casos, o autor do crime foi o atual ou ex-companheiro da vítima.
Vários fatores contribuíram para a queda do número de assassinatos. Um deles foi um certo arrefecimento da disputa entre facções pelas rotas internacionais de tráfico de drogas e por territórios. O conflito entre o PCC e o Comando Vermelho estourou em 2016 e levou ao número recorde de assassinatos em 2017, especialmente no Norte e Nordeste. Ainda precisa ser analisada a influência da ação dos governos federal e estaduais que resultou na transferência de líderes, o que pode ter ajudado a esvaziar os conflitos.
Há ainda o trabalho específico de alguns governos estaduais para o aprimoramento da política de segurança, como a adoção de recursos como o georreferenciamento criminal para guiar a alocação dos efetivos e coordenar o trabalho, e o pagamento de recompensa aos policiais, já utilizados por São Paulo e pelo Rio e empregados também no Espírito Santo e Pernambuco.
Os especialistas não relacionam a queda de homicídio ao aumento da ação letal da polícia. No Rio de Janeiro, 22,8% das mortes violentas de 2018 foram cometidas por policiais, mas a taxa de assassinatos de 39,1 por 100 mil moradores está acima da média do país. Já São Paulo, com a menor taxa do país, de 9,5 mortes a cada 100 mil habitantes, é um dos Estados em que a polícia mais mata, sendo responsável 19,7% do total de assassinatos. Em Pernambuco, onde a polícia mata pouco (2,4% dos assassinatos do Estado), houve queda de 15,2% na taxa de homicídios, embora o índice ainda seja elevado (43,9 mortes violentas por 100 mil habitantes).
Os dados agora apresentados referem-se ainda ao governo de Michel Temer, embora informações do Ministério da Justiça apontem que a tendência continua no governo de Bolsonaro, com queda de 21,2% nos números de homicídios nos primeiros quatro meses deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado.
Mais do que comemorada, a redução dos homicídios em 2018 exige análise dos fatores que deram certo para que possam ser difundidas. Em 23 das 27 unidades da federação, a violência diminuiu e a experiência dos Estados mais bem-sucedidos na batalha contra o aumento da violência pode inspirar os demais, inclusive na administração dos sempre escassos recursos. As despesas com segurança pública no país somaram R$ 91,3 bilhões no ano passado, em valores corrigidos, e 81% do total veio dos governos estaduais, que financiam as polícias Civil e Militar. Embora tenha a menor taxa de assassinatos, São Paulo é um dos Estados que proporcionalmente menos investe em segurança (5,4% de todas as despesas em 2018). Alagoas, por outro lado, é o Estado que mais investe (13,6% do total das despesas). Apesar disso, é um dos mais violentos, com 45,8 assassinatos a cada 100 mil habitantes.
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