- Valor Econômico
Bolsonaro simplesmente não fará campanha em 2020 onde sua palavra não virar lei
A curiosidade durou pouco. Parlamentares e líderes partidários tentavam captar, desde os primeiros meses do ano, sinais de como o presidente da República pretendia se comportar nas eleições municipais de 2020. Nas últimas semanas, contudo, as dúvidas se dissiparam. Ficou claro que o presidente Jair Bolsonaro fará questão de desempenhar um papel central em disputas estratégicas. Como todo presidente, Bolsonaro vê a eleição local como etapa da próxima disputa nacional. O que difere é seu método.
No Palácio do Planalto, o clima de campanha persiste. Mesmo tendo uma agenda legislativa delicada à frente, com a reforma da Previdência pendente e a tributária ainda claudicante, Bolsonaro não esperou 2019 acabar para enviar recado claro ao seu grupo político, potenciais aliados e futuros adversários.
O presidente recrutará pessoalmente pré-candidatos a prefeitos que estiverem decididos a segui-lo. Fará de tudo para vetar quem não se comprometer a replicar as linhas programáticas e ideológicas que determinar, independentemente das diretrizes debatidas pelos dirigentes de seu partido político. Seja ele qual for. Bolsonaro também demonstra disposição de descer a rampa do Palácio do Planalto, para combater adversários e impedi-los de erguer obstáculos ao seu projeto político.
A palavra “reeleição” já não era tabu entre o presidente e seus auxiliares. No fim de semana, contudo, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, deu um passo à frente e explicitou a existência de um projeto de poder de pelo menos 12 anos.
Nada mais natural, portanto, que Bolsonaro aproveite as eleições municipais para percorrer novamente o país. Desta vez, com o objetivo de construir uma rede de prefeitos e vereadores comprometidos a manter a militância bolsonarista mobilizada.
A articulação do presidente se intensificou nos últimos dias. Ironicamente, isso ocorreu devido ao episódio que escancarou as divergências entre ele o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), tornando-se a mais recente turbulência política a expor o governo e sua frágil base no Congresso.
Um apoiador aproveitou a já tradicional paradinha matinal do presidente em frente ao Palácio da Alvorada, quando ele costuma conversar com os presentes e eventualmente discursar a jornalistas, para tentar produzir o material de sua pré-campanha a prefeito do Recife. Desavisado, o aspirante a candidato deu início à gravação com a câmera do seu próprio celular certo de que teria um vídeo para “viralizar” durante a disputa do ano que vem.
“Eu, Bolsonaro e Bivar juntos por um novo Recife”, disse o pré-candidato, logo interrompido pelo presidente. Bolsonaro rebateu, dizendo que Bivar estava queimado e que queimaria o filme também do jovem candidato. Em seguida, pediu que o arquivo de mídia não fosse usado.
Até então, líderes e dirigentes partidários acreditavam que Bolsonaro iria concentrar sua atuação, nas eleições municipais de 2020, para evitar que partidos de esquerda se fortalecessem. Uma preocupação seria o Nordeste, onde sua popularidade não é das melhores e os candidatos do PT sempre foram mais fortes nas disputas nacionais.
Talvez seja justamente esse o motivo da irritação de Bolsonaro em ver seu nome vinculado a Bivar por um pré-candidato do PSL de Pernambuco.
Acreditava-se, também, que Bolsonaro iria para o combate franco contra o PSDB. Os tucanos viram seu poderio reduzido no pleito de 2018, mas ainda comandam prefeituras importantes e tendem a investir na construção da candidatura à Presidência do governador de São Paulo, João Doria.
Por outro lado, o DEM e os partidos do chamado Centrão poderiam ser poupados, em razão do papel fundamental que têm desempenhado no Congresso Nacional na aprovação de projetos de interesse do governo. Além disso, o DEM comanda a Câmara, com o deputado Rodrigo Maia (RJ), e o Senado, com Davi Alcolumbre (AP).
Os partidos do Centrão certamente continuarão a influenciar a agenda do Legislativo.
Bolsonaro revisita o enredo que o levou à vitória no ano passado, a história do político que se diz numa cruzada contra a política. Na última eleição, chegou a flertar com o Partido Ecológico Nacional (PEN). Demandou que o partido mudasse de nome e abandonasse uma causa no Supremo Tribunal Federal (STF) que considerava contrária aos interesses da Operação Lava-Jato, mas acabou filiando-se ao PSL.
Já em seu atual partido, quando se articulava uma aliança com o PR, Bolsonaro vetou uma coligação proporcional no Rio de Janeiro que pudesse ferir os interesses políticos de sua família. O acordo foi inviabilizado, levando a vaga de vice para o PRTB -outro partido que passou a ser ignorado pelo presidente sem muita cerimônia.
O PSL foi o próximo da lista. Nos últimos meses, interlocutores de Bolsonaro cobraram total fidelidade da bancada parlamentar, muitas vezes de forma nada gentil. Deputados foram acusados de ingratidão por terem deixado de seguir palavra por palavra as determinações vindas do Palácio do Planalto, depois de supostamente terem sido eleitos somente devido à ajuda do presidente.
Bolsonaro já afirmou que fará questão de indicar os candidatos para as prefeituras das principais cidades do país, relegando à cúpula nacional e aos diretórios estaduais de seu atual partido papéis secundários. Simplesmente não fará campanha onde sua palavra não virar lei.
O presidente agora exige uma auditoria nas contas do PSL, sugerindo que o detalhamento dos gastos da sigla fulminará seus inimigos. Ele usou esse mesmo discurso quando prometeu abrir as supostas caixas-preta da Petrobras ou do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante a campanha de 2018.
Sua briga atual é com a cúpula do PSL, pelo controle da máquina e dos recursos partidários. No próximo embate, poderá achar alguma “caixa-preta” para tentar explorar eleitoralmente.
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