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Nunca antes neste país...
Descontrolado como jamais se viu ao vivo um presidente da República por estas bandas, a disparar imprecações, desaforos, palavrões e ameaças contra a Rede Globo de Televisão, Jair Bolsonaro usou pouco mais de 23 minutos de transmissão direta da Arábia Saudita para dizer em resumo que ele e seus filhos são inocentes da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL).
Mas quem disse que ele e os filhos poderiam ser culpados? Espera-se apenas que esclareçam quem estava na casa de número 58, de propriedade de Bolsonaro, quando no dia da morte de Marielle o porteiro do condomínio telefonou para lá informando que um homem, de nome Élcio, pedia para entrar. A voz de homem que de dentro da casa atendeu ao porteiro deu permissão.
Como Élcio dirigiu-se para a casa 66, o porteiro tornou a ligar para a casa de número 58. Informada do que se passava, a voz de homem respondeu que já sabia, que estava tudo direito, tudo bem. Foi o que contou o porteiro em dois depoimentos prestados à polícia. Contou também que a voz do homem da casa 58 era de “seu Jair”. Enganou-se, naturalmente, uma vez que Bolsonaro naquele dia deu expediente em Brasília na Câmara dos Deputados.
Na casa 66 morava o policial aposentado Ronnie Lessa, hoje preso sob a acusação de ter assassinado Marielle e seu motorista. Lessa e Élcio, de sobrenome Queiroz, saíram do condomínio dentro de um carro de Lessa. Mais adiante, conforme provas reunidas pela polícia, os dois entraram em outro carro, dirigido por Élcio, que também está preso. E foram matar Marielle no centro da cidade.
A reação colérica de Bolsonaro está mais para a de um homem que parece ter o que temer do que para alguém que se diz inocente “O orgasmo da TV Globo será ver um dos filhos meus preso”, afirmou Bolsonaro. Acusou o governador Wilson Witzel, do Rio, de ter vazado para a Globo o que ela divulgou. E chamou o jornalismo da Globo de “canalha e patife” pelo menos uma dezena de vezes.
Por fim, sem que uma coisa tenha a ver com a outra, exclamou:
– Quero também saber quem mandou matar Jair Bolsonaro.
Depois de três inquéritos, a Polícia Federal concluiu que ninguém mandou matar Bolsonaro. O autor da facada em Juiz de Fora, Adélio Bispo, agiu sozinho. Por sofrer de transtorno mental, foi considerado inimputável pela Justiça. Está em uma cela da Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Podendo recorrer da decisão judicial, Bolsonaro não o fez.
República em estado de choque
O que pode vir
O espanto e o silêncio ditaram, ontem, o comportamento das cabeças mais coroadas da República. Algumas bocas se abriram apenas para dizer que não tinham assistido ao Jornal Nacional e, assim, não poderiam comentar a reportagem que envolveu os Bolsonaros no caso da morte da vereadora Marielle Franco.
Mas, entre si, as cabeças trocaram confidências e até aproveitaram reuniões já marcadas para manifestar sua preocupação com os possíveis desdobramentos do episódio. Concordaram que a TV Globo não levaria ao ar o que levou se não tivesse absolutamente segura da procedência das informações.
E mais: se não dispusesse de novas informações para divulgar nos próximos dias, talvez a partir de hoje. A Polícia Civil do Rio tem imagens da saída do carro do condomínio onde morava o presidente Jair Bolsonaro transportando os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de terem matado Marielle.
É possível que tenha também o áudio dos telefonemas onde o porteiro do condomínio informa a quem estava na casa de Bolsonaro que para lá se dirigia um homem de nome Élcio. A essa altura, já pode ter sido identificado o dono da voz que de dentro da casa de Bolsonaro autorizou a entrada de Élcio.
Hoje, na Câmara e no Senado, a oposição fará muito barulho em torno do assunto. A orientação de líderes de alguns partidos é para que não se acuse Bolsonaro diretamente de nada, mas que se cobrem explicações sobre o que possa ter ocorrido. Ninguém sabe se Flávio e Eduardo despacharão em seus gabinetes.
A facção do PSL ligada a Luciano Bivar, presidente do partido, estava disposta a ir para cima dos Bolsonaros.
Mourão é o nome dele
Memória de uma noite nervosa
Em uma mesa, ontem à noite, do restaurante Piantas, onde políticos costumam se encontrar em Brasília depois do expediente no Congresso, pelo menos oito deputados de variados partidos discutiram a certa altura o que poderia acontecer se o presidente Jair Bolsonaro renunciasse ao mandato ou fosse deposto.
Assumiria o vice-presidente Hamilton Mourão? Ou haveria eleição direta para a escolha de um novo presidente uma vez que Bolsonaro não teria completado metade do mandato? Mas, nesse caso, não caberia ao Congresso a escolha do novo presidente? O cargo seria ocupado temporariamente pelo presidente da Câmara?
O deputado mais experiente à mesa levantou a voz e garantiu que assumiria Mourão. Lembrou que foi assim quando José Sarney assumiu no lugar de Tancredo Neves em março de 1985. Na véspera de tomar posse, Tancredo foi internado, vítima de um tumor. Morreu no dia 21 de abril depois de ter sido operado sete vezes.
Um comentário:
Bolsonaro tomou posse e (des)governa legal e legitimamente. Até se completar metade do mandato, a vacância do cargo só tem uma resposta constitucional: novas eleicões - até elas, Maia preside. Simples assim!
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