- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:
Política na selva – Editorial | Folha de S. Paulo
Como rei leão, Bolsonaro talvez vislumbre poder incompatível com a Carta de 88
A alusão a animais na propaganda política é recurso antigo dos demagogos. A imagem de ratos roendo a bandeira nacional, utilizada pelo PT em 2002, vem sendo retomada há décadas como uma maneira de desumanizar os adversários.
A publicação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), numa rede social, de alegoria baseada no cerco de um grupo de hienas a um leão tem, no entanto, as suas peculiaridades.
Alegoria constitui, aliás, palavra sutil demais para qualificar o vídeo, que deixa muito claro, por meio de trucagens toscas, quem são as tais hienas: o Supremo Tribunal Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil, veículos da imprensa (incluída esta Folha), o PT e até o PSL, que o mandatário luta para controlar com a mão pesada do Executivo.
Tampouco resta dúvida sobre a identidade do felino rodeado pelos bichos carniceiros: presidente Bolsonaro, estampa a legenda.
No reino da Arábia Saudita, que o chefe de Estado brasileiro visitava quando o vídeo foi divulgado, o regime especializou-se não só em rugir para seus críticos. Ele os mata e trucida, como foi feito com o jornalista Jamal Khashoggi em pleno consulado saudita de Istambul (Turquia), em outubro de 2018.
Com a fantasia de rei leão, Bolsonaro talvez vislumbre a latitude dos monarcas absolutos. O traje combina com os elogios velados e explícitos que veio fazendo a aspectos tenebrosos da ditadura militar (1964-1985), seja ao longo de sua extensa carreira de deputado periférico, seja mais recentemente, como candidato e presidente.
Não combina, entretanto, com as instituições da República brasileira sob a guarda da Carta de 1988.
Onde a fábula bolsonarista vê hienas, há na verdade organizações civis e estatais incumbidas de evitar o abuso no exercício do poder de Estado. Onde vê o leão, há o chefe eleito do Executivo, submetido não a seus desejos de supremacia, mas ao império universal das leis, como qualquer outro cidadão.
O choque com essa realidade levou Jair Bolsonaro a retirar o vídeo do ar e a pedir desculpas pela postagem. É um modus operandi que, de tanto repetir-se, afasta qualquer ilusão de que o presidente esteja de fato arrependido ou que tenha se convencido das vantagens do Estado democrático de Direito —se é que foi capaz de compreendê-lo.
A mensagem do leão ameaçado vem juntar-se a outra, do início de setembro, quando Bolsonaro disse que, se levantasse “a sua borduna”, todos viriam atrás dele. São rabiscos de conclamação a forças extraconstitucionais que felizmente não vicejam no Brasil de hoje.
O primeiro presidente deste ciclo democrático a apostar no “Não me deixem só” acabou isolado e defenestrado. Que Bolsonaro consiga absorver ao menos essa lição.
Uma proposta ousada – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Estado informa que o governo pretende entregar ainda nesta semana ao Congresso um ambicioso pacote de reformas para tentar sanear as contas públicas de forma sustentável. Desse conjunto de medidas constam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial para frear o crescimento dos gastos obrigatórios do Orçamento; uma PEC para desengessar o Orçamento, abrindo espaço para investimentos públicos; uma reforma administrativa destinada a acabar com a estabilidade de novos servidores públicos e reduzir o número de carreiras e o salário inicial dos funcionários; um pacto federativo, que proceda a uma nova divisão de recursos de Estados e municípios; e um projeto de ajuda a Estados à beira do colapso fiscal – governadores poderão decretar “estado de emergência fiscal” e, assim, congelar reajustes salariais e reduzir jornada e salários.
No papel, trata-se de uma revolução. Ninguém há de negar a urgência de todas essas medidas, ainda que se possa discutir detalhes aqui e ali. Há muito tempo o engessamento do Orçamento em razão de vinculações e obrigações constitucionais tem impedido o investimento público em áreas cruciais como saneamento e infraestrutura. Tampouco se pode ignorar que é preciso uma ampla mudança no serviço público, para acabar com privilégios e racionalizar a administração. Não menos importante é rever a distribuição de recursos entre a União e os entes subnacionais, grande parte dos quais se encontra sem condições de prestar adequadamente os serviços atribuídos pela Constituição.
Ao propor todas essas medidas de uma só vez, contudo, o governo sinaliza preocupante descolamento da realidade. É difícil imaginar que o Congresso incluirá em sua pauta e aprovará esse imenso conjunto de reformas sem uma ampla e desgastante negociação, que provavelmente não cabe no escopo de um único mandato. Do modo como está sendo feito, o encaminhamento do pacote sugere que, para o Palácio do Planalto, não há alternativa ao Congresso senão chancelar aquilo que o governo decidir que é melhor para o País, sem necessidade de diálogo. Foi assim na tramitação da reforma da Previdência, que foi aprovada por vontade das lideranças do Congresso, praticamente sem participação dos governistas – que, ao contrário, em muitos momentos mais atrapalharam do que ajudaram.
A realidade, portanto, é bem menos panglossiana do que o governo parece acreditar. Recorde-se que, enquanto a reforma da Previdência arrastava-se no Congresso, em larga medida graças à inabilidade política do governo, outras reformas igualmente urgentes ficaram em compasso de espera. Até agora, por exemplo, não se sabe qual é a reforma tributária que o governo pretende aprovar. Além disso, o Palácio do Planalto atrasou o envio de uma prometida reforma administrativa, o que deve adiar sua apreciação pelo Congresso para o ano que vem. “Tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e comissão especial. Vai votar no início do ano que vem. Ué, o que eu posso fazer? Se o governo tivesse encaminhado em julho, eu votaria neste ano”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Assim, há uma distância colossal entre o que o governo diz desejar para o País e aquilo que o governo faz para implementar essa agenda. Além da lentidão na proposição de reformas e de outras medidas econômicas, observa-se um persistente desinteresse do presidente Jair Bolsonaro em organizar uma base parlamentar sólida para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do País. Ao contrário, o presidente Bolsonaro tem colaborado diretamente para implodir o próprio partido, o PSL. Sua única preocupação parece ser a de manter uma base eleitoral mínima que lhe permita ser um candidato competitivo à reeleição, e para esse fim não se importa em desidratar reformas, para não abespinhar eleitores, e atirar antigos aliados ao mar.
Num quadro desses, é preciso muito otimismo para acreditar que este governo seja capaz de implementar um “novo regime de responsabilidade fiscal”, como definiu o ministro da Economia, Paulo Guedes. Melhor seria respeitar a realidade e encaminhar medidas factíveis, muitas delas sem necessidade de mudanças constitucionais, para destravar o desenvolvimento do País. No cenário atual, isso já seria revolucionário.
A essencial modernização do funcionalismo – Editorial | O Globo
Regulação dos servidores tem de elevar a eficiência do atendimento à população, que paga a conta
Há a previsão de que a reforma administrativa atrairá maiores resistências do que a previdenciária, recém-aprovada. Pode ser, mas não resta dúvida de que a administrativa, por modernizar regras que regem o funcionalismo público, mexe com um santuário de interesses corporativos cristalizados há décadas e em constante ação lobista para assegurar privilégios e conquistar novas benesses.
Não será fácil a tarefa, mas tanto quanto as mudanças na Previdência, estas são imprescindíveis, para dar eficiência à máquina burocrática, e não apenas devido a razões fiscais.
Este mundo longe da realidade da grande maioria dos brasileiros congrega na área federal 705 mil funcionários no serviço ativo. Distribuem-se em 43 conjuntos de carreiras, que somam 117 ofícios, com mais de 2 mil cargos. Até pelo gigantismo é uma estrutura irracional e de difícil administração.
Este ambiente é propício ao surgimento de fortes grupos de pressão sobre Executivo, Legislativo e Judiciário em busca de benefícios próprios. A blindagem que têm é a estabilidade no emprego.
Entre as propostas a serem apresentadas está o corte no excessivo número de carreiras. Este cipoal é um monumento à irracionalidade: há cargos sem carreiras, carreiras sem plano de progressão e cargos soltos na máquina. A falta de regras também facilita o lobby.
A estabilidade serve de pilar para sustentar uma parede de proteção do funcionalismo contra uma efetiva avaliação de competência —que existe apenas formalmente. Por decorrência, é desestimulada a cobrança por eficiência no atendimento a quem paga o salário do funcionalismo, a população.
O ideal é que a proteção ao emprego exista apenas para as carreiras de Estado: diplomatas, magistrados, procuradores, policiais etc. Aqueles ofícios que também existem na iniciativa privada deveriam ser exercidos por servidores contratados pela CLT, como a maioria dos mortais.
O presidente Bolsonaro, em viagem ao exterior, defendeu que a estabilidade acabe para os novos servidores, como ocorre na reforma da Previdência. Seja como for, a entrada no paraíso dos estáveis não será, a depender da reforma, um mero ato burocrático.
A intenção do governo é estender, de três para dez anos, o chamado estágio probatório, para que o servidor conquiste a estabilidade, com avaliações efetivas.
Os planos de carreira terão salários iniciais mais baixos, realistas, e a progressão será mais lenta. Foi levantado pela equipe econômica, segundo O GLOBO, que 33% do funcionalismo chegam ao topo da carreira em 20 anos, em média.
Inúmeros com promoções automáticas, outra liberalidade que acabará se a reforma for aprovada. Por isso, a folha de pessoal aumenta vegetativamente. Representa o segundo custo mais elevado da União, abaixo apenas dos benefícios previdenciários. Precisa mesmo passar por um ajuste.
Ambiente de negócios do país piora, aponta Banco Mundial – Editorial | Valor Econômico
Reforma tributária deve atacar o ponto mais frágil do Brasil no ‘Doing Business’
Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro disse em Tóquio que o Brasil precisava desburocratizar, desregulamentar, abrir o mercado e privatizar muito para que a economia decolasse, o Banco Mundial divulgou informações sobre o país que vão na direção contrária. Em seu ranking “Doing Business”, que retrata o ambiente de negócios, o Banco Mundial mostrou que o Brasil perdeu postos.
O Brasil ficou no 124º lugar no “Doing Business” deste ano, oito posições abaixo do 116º posto do levantamento anterior, em um universo de 190 países analisados. O Banco Mundial também fez uma ampla revisão das notas de 2018. A nota do Brasil até melhorou, de 58,6 para 59,1. Mas outros países avançaram mais e passaram à frente porque estão fazendo reformas mais rapidamente. Uganda e Egito são alguns deles.
A China foi um dos países que mais avançou no ranking deste ano (da 44ª posição para a 31ª), depois de ter feito reformas modernizantes em oito das dez áreas analisadas pelo Banco Mundial. A Índia também foi destacada, com melhorias em quatro indicadores, que levaram o país a avançar do 75º para o 63º lugar. Os cinco primeiros do ranking são Nova Zelândia, Cingapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Dinamarca. EUA vêm em sexto lugar.
O novo relatório revela que 115 países realizaram 294 reformas regulatórias no período analisado, de junho de 2018 a maio de 2019. Já o Brasil mostrou melhoria em três dos dez critérios - registro de propriedades, abertura de empresas e solução de insolvências. O país ficou estável em relação à proteção de acionistas minoritários, comércio internacional, acesso ao crédito, respeito aos contratos, obtenção de instalação elétrica e pagamento de impostos. Houve piora no processo de obtenção de alvará de construção.
O governo atribui esse desempenho sofrível às gestões anteriores, que promoveram a “devastação no ambiente de negócios nos últimos anos”. Mas mantém a promessa feita por Bolsonaro no início do ano, no Fórum Econômico Mundial, de levar o país para o grupo dos 50 primeiros colocados no ranking, até o fim de seu governo, em 2022. Cumprir o prometido não será fácil.
O critério em que o Brasil está pior colocado é no pagamento de impostos, 184º lugar. O empresário brasileiro gasta 1.501 horas por ano para pagar impostos, o que equivale a 62,5 dias, ou pouco mais de dois meses. O cálculo leva em conta o tempo empregado na preparação da declaração e pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), dos impostos sobre vendas e circulação de bens e serviços, de tributos sobre salários e contribuições sociais. A situação já foi ainda pior. No relatório de 2014, o primeiro em que esse indicador foi calculado, o tempo gasto nessas atividades no Brasil chegava a 2.600 horas. No grupo América Latina e Caribe, o tempo médio destinado para o pagamento dos tributos é de 317 horas por ano; e nos países da OCDE fica em 158,8 horas.
No tempo gasto para a abertura de uma empresa as comparações também são dramáticas. Enquanto se leva um dia na Nova Zelândia e 9,2 dias em média nos países da OCDE, são 13,5 dias em São Paulo e 21,5 dias no Rio, o que coloca o país no 120º lugar nesse critério. É mais fácil abrir um negócio em países como Síria, Bangladesh, Quênia, Peru, Nigéria e Camarões, constata o estudo.
O governo tem razão ao alegar que o Banco Mundial ainda não capturou melhorias como a diminuição da taxa básica de juros, a Lei da Liberdade Econômica, a aprovação do cadastro positivo e a reforma da Previdência.
Outros aperfeiçoamentos estão em gestação, como a revisão da lei de recuperação judicial e falências. O prazo médio de recuperação ou falência está em quatro anos em comparação com menos de três anos na América Latina. Haverá também marco legal específico para a recuperação de micro e pequenas empresas, chamado de “reempreendedorismo”.
Impacto mais significativo, no entanto, deve ter a reforma tributária, que deve atacar exatamente o ponto mais frágil do Brasil entre os dez critérios analisados pelo Banco Mundial. A expectativa é que ela estimule o crescimento, reduza os custos das empresas, racionalize a produção e promova a competitividade, acabando com a insegurança jurídica. Não se sabe, porém, qual é o projeto do governo. Depois do embate com o presidente por conta da proposta do imposto único, a equipe econômica passou a evitar se expor a respeito do assunto. As mudanças possivelmente virão em etapas e a primeira pode ser a simplificação do PIS/Cofins, o que deve diluir o efeito positivo.
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